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FRANÇA NA AMAZÔNIA

Agenda diplomática prepara para a COP 30

Presidente Emmanuel Macron estará em Belém no fim do mês de março, diz o governo federal

Camila Azevedo

14/03/2024

A assinatura de um acordo para reforçar a bioeconomia na Amazônia e estreitar os laços com a região é um dos motivos da visita que o presidente da França, Emmanuel Macron, já sinalizou este ano para o Brasil. A agenda deve ocorrer em Belém, capital do Estado do Pará. O governo federal diz que o encontro será no dia 26 de março – embora a Embaixada da França ainda não tenha divulgado oficialmente uma data. No fim de fevereiro, o governador do estado, Helder Barbalho, e o embaixador francês, Emmanuel Lenain, estiveram reunidos para detalhar o encontro, que é parte dos preparativos para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que ocorre em 2025 em Belém.

Macron também deverá discutir soluções voltadas para a floresta viva e para os povos indígenas da região. Além disso, um tratado de cooperação internacional entre as polícias dos dois países para a realização de operações conjuntas de combate ao garimpo ilegal na Guiana Francesa, território ultramarino - localizado na América do Sul - pertencente à França, está sendo acertado. A visita dele, segundo publicou o governador do Pará nas redes sociais, é um convite do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

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A França é o único país da Europa com um território dentro da Amazônia. A Guiana Francesa tem 730 quilômetros de fronteira com o Brasil, no estado do Amapá (Foto: Francois Mori/AFP)

As frentes de atuação previstas para envolver o Brasil e a França não estão sendo pensadas apenas no campo do meio ambiente. Parcerias educacionais, como intercâmbio de pós-graduação e aperfeiçoamento de paraenses na língua francesa, foram debatidas entre o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, e o embaixador Emmanuel Lenain durante um encontro realizado na capital. “Pensamos em um investimento na área para preparar jovens para recepcionar durante a COP 30”, disse Rodrigues nas redes sociais.

Amazônica francesa

A França é o único país da Europa com um território dentro da Amazônia. A Guiana Francesa tem 730 quilômetros de fronteira com o Brasil, no estado do Amapá. Em 2017, a região teve a Ponte Binacional Franco-Brasileira inaugurada, ligando Macapá, a capital amapaense, e Caiena, a capital da Guiana Francesa. Até então, a travessia era feita por barco ou balsa. A moeda local oficial é o euro, assim como o idioma é o francês. Pesca e extração de ouro estão entre as principais atividades econômicas desenvolvidas.

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A fronteira entre Brasil e Guiana Francesa tem 730 quilômetros, dos quais 427 são de rios cuja travessia foi facilitada em 2017 com a inauguração da Ponte Binacional Franco-Brasileira (Foto: JODY AMIET  AFP)

Contradições marcam presença francesa na região

Apesar do território estratégico na Amazônia, a postura francesa nem sempre foi de interesse. Rodrigo Lopes, internacionalista e pós-graduando em Geografia pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), explica que a Guiana Francesa é vista pela política central da França como subalterna, sendo carente de uma representação que pense, de forma efetiva, como estabelecer uma sociedade a partir do desenvolvimento sustentável. “A região é voltada para a exploração de recursos minerais, tudo de forma insustentável”, diz.

A América do Sul, como um todo, sente os impactos. Em dezembro de 2023, Emmanuel Macron foi contrário a uma parceria de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, o que, segundo Rodrigo, reforça a abordagem superficial com a região mantida ao longo dos anos. O acordo está sendo negociado desde 1999. “A presença francesa aqui pode existir de formas culturais, na história, na arquitetura, mas se limitou a isso, nunca foi de forma mais efetiva, com uma relação próspera em sentidos econômicos”, pondera o internacionalista.

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“Alguns dizem que [o acordo] vai reforçar a natureza subalterna da América do Sul, porque vai intensificar e favorecer mais as exportações de bens primários e commodities… Enquanto vai aumentar a importação de produtos de teor tecnológico. Isso vai ser priorizado e pode não ser interessante em termos de investimentos no setor industrial da América do Sul. A posição do Macron é de favorecer só o agricultor da França. A conduta dele de tentar travar o acordo demonstra a falta de interesse [na região]”, acrescenta.

Nova fase

Porém, mesmo ainda no estágio de debates, a manifestação da França em assinar parcerias que promovam o desenvolvimento da Amazônia já anuncia novos caminhos. “Ele [Macron] demonstra uma nova fase da França com a região, ao qual há um interesse em participar das discussões. [A postura] reforça a contradição, mas é uma nova fase porque agora, de fato, tem uma data para vir a Belém. Ainda não se sabe se ele vai fortalecer algum tipo de parceria, ou mais a França. Macron tem uma posição sempre protecionista”, afirma Lopes.

“Há, também, uma expectativa de que seja debatida a própria participação da França na COP 30 e reforçar esse compromisso de debate com as questões ambientais. Ele [Macron] quer assumir um papel de liderança internacional, dado que a imagem dele em termos de política interna na França, não é tão boa. Existe uma crise dele com o eleitor francês, sobretudo o vinculado à agricultura, que é quem ele quer agradar. A expectativa é que ele venha se posicionar em prol da própria atuação internacional dele”, adiciona Rodrigo.

Uma outra iniciativa francesa de aproximação foi a candidatura para integrar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), grupo que reúne os oito países que possuem a floresta amazônica como parte do território. O posicionamento contrário ao acordo Mercosul-União Europeia pode, entretanto, prejudicar esse caminho, ressalta o internacionalista. “É uma questão de que Macron está engajado e sinalizar que quer [integrar a OTCA], mas é só uma sinalização”.

Escute em inglês:

Existência francesa na Amazônia é histórica e cultural

A relação envolvendo Brasil, mais propriamente a Amazônia, e França é antiga. Em Belém, por exemplo, uma das capitais mais importantes do bioma, essa presença é destacada de formas filosóficas, diplomáticas e imigracionistas. Aldrin Figueiredo, historiador e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que a figura francesa foi estabelecida a partir do século XIX na região, especialmente no município de Benevides, e comprova um interesse da elite do estado no branqueamento da população.

“O Pará teve um contato muito grande com a França desde o período colonial, em que teve sempre o interesse da França em ocupação de terras próximas na Amazônia; você vê, inclusive, a própria Guiana Francesa. Então, assim como Espanha e Portugal no período colonial, Inglaterra, Holanda e França tiveram interesse em ocupar essa área do norte da América do Sul. E depois, ao longo do tempo, os franceses se estabeleceram no Pará em vários momentos, principalmente a partir do século de 19”, comenta.

Arte

Esse movimento também foi determinante para influenciar a elite intelectual paraense. Aldrin destaca que o positivismo - corrente que defendia que apenas os conhecimentos científicos eram verdadeiros -, criado pelo francês Auguste Comte, foi a base dos primeiros governos republicanos do Pará. Esse modelo foi implementado, ainda, nas escolas. “Fora isso, artistas franceses foram contratados, como Maurice Blaise, para ser professor da Escola Normal, do Instituto Lauro Sodré, do Liceu de Artes e Ofícios e do Paes de Carvalho”.

“Há também Joseph Cassè, que foi contratado já no início do século XX pelo então governador Augusto Montenegro, e foi responsável por obras de decoração no Palácio dos Governadores, também na Intendência Municipal, o atual Palácio Antônio Lemos, e muitas residências particulares na cidade. Teodoro Braga, nosso grande pintor da virada do início do século, estudou na França. Então, há uma relação, digamos assim, artística, intelectual, filosófica, cultural enorme com o país”, comenta Aldrin.

Estudo do idioma é forma de aproximação cultural

A aproximação cultural entre França e Amazônia é marcada por um outro fator: a linguagem. Thiago Rocha, professor e coordenador do curso de Letras-Francês da UFPA, explica que Belém foi um modelo do que ocorreu no resto do mundo em meados do século XIX, quando o estilo de vida do país europeu era uma forma de transmissão de valores da civilização moderna – se refletindo também no idioma. “Só que, ao longo do século XX, foi havendo um declínio”.

Essa transformação de cenário se deu pelos processos de globalização, que ficaram mais evidentes depois da Segunda Guerra Mundial. “Antes, era o poderio econômico da Inglaterra e o poderio cultural da França. Mas, depois, isso se concentrou nos Estados Unidos”, destaca Thiago. “O inglês ficou cada vez mais presente e o francês foi perdendo espaço. Nos anos 2000, teve a valorização do espanhol, devido a integração do Mercosul - o Brasil é cercado de países que falam espanhol”, afirma o professor.

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“Antes, era o poderio econômico da Inglaterra e o poderio cultural da França. Mas, depois, isso se concentrou nos Estados Unidos”, destaca Thiago Rocha, coordenador do curso de Letras-Francês da UFPA (Foto: Thiago Gomes / O Liberal)

Resgate

O curso de Letras-Francês da UFPA tem trabalhado em medidas para recuperar a relação com a linguística francesa. O planejamento das ações, entretanto, não é destinado apenas a estudantes naturais da França, mas a todos os que falam o idioma - como quem vem do Haiti, no Caribe, e Quebec, no Canadá, por exemplo. Além disso, formas de capacitação dos próprios moradores de Belém, para a COP 30, também estão sendo pensadas. “Na UFPA, recebemos muitos estudantes francófonos”.

“Principalmente haitianos. Tem muitos haitianos que vêm estudar aqui como oportunidade mesmo de ter acesso ao ensino superior e tudo mais, e de outros países também. Então, assim, falando lá por cima ainda, a administração atual tem trabalhado bastante para ampliar essas parcerias, focando mais especificamente nesses projetos que incluem também países francófonos”, detalha Thiago. As iniciativas buscaram a construção de um Centro de Cultura e Língua do Quebec na Amazônia, mas o acordo ainda não foi firmado.

Aulas

A UFPA aguarda o retorno da submissão de um projeto que visa levar aulas de francês aos museus de Belém. O objetivo é preparar os funcionários para a COP 30. O professor Thiago Rocha é colaborador da ideia, que tem coordenação da professora Joanna Troufflard. Ela tem 37 anos, é natural da cidade de Thiais, na França, e mora na capital paraense desde 2018. Desde então, algumas outras propostas no sentido de transmitir o idioma foram desenvolvidas.

“O francês, historicamente, era ensinado nas escolas, só que tiraram. Então, é comum muitos adultos terem estudando francês na escola, no ensino médio. A importância tem a ver com estatística: o idioma é uma das línguas mais faladas por conta do histórico colonial da França, é uma língua oficial da ONU [Organização das Nações Unidas]. Em Belém, a importância que a gente fala para os alunos é mostrar a utilidade do que estão fazendo”, afirma Joanna.

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O curso de Letras-Francês da UFPA tem trabalhado em medidas para recuperar a relação com a linguística francesa, incluindo todos os que falam o idioma, e estão sendo pensadas formas de capacitar moradores de Belém para a COP 30 (Foto: Thiago Gomes / O Liberal)

A professora faz esse trabalho em união a projetos de pesquisa sobre a presença da França na Amazônia. Um deles, intitulado “Uma etnografia da presença francesa em Belém do Pará: imigração, bilinguismo e biculturalismo”, aproxima os estudantes da comunidade francesa. “Eles conseguem dialogar e refletir sobre mudanças de país, identidades, pertencimento a várias outras culturas. Eles podem entender a história por que estão aqui”, finaliza Joanna.