Mudanças na relação das pessoas com seu meio ambiente são urgentes e necessárias, para frear as mudanças climáticas e evitar a degradação do planeta. Um passo importante para incentivar tais mudanças é investir em educação ambiental, para formar cidadãos conscientes sobre sustentabilidade e preservação.
O espaço escolar é ideal para esse tipo de ação e, por isso, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz referências obrigatórias para a elaboração dos currículos escolares brasileiros, define que a educação ambiental deve ser trabalhada de forma transversal a todas as áreas do conhecimento.
Alguns locais no País, contudo, já tornaram a educação ambiental uma disciplina própria. E, na Amazônia, um instituto brasileiro, com experiência no desenvolvimento profissional de professores, vem contribuindo para isso.
O Instituto iungo, em parceria com o Instituto Reúna e a rede Uma Concertação pela Amazônia, promove desde 2023 um programa chamado Itinerários Amazônicos. A iniciativa disponibiliza unidades curriculares sobre temas amazônicos, sobretudo socioambientais, e formação continuada a educadores. Os Itinerários já estão presentes em quase todos os nove estados da Amazônia Legal, com exceção de Rondônia.
TEMÁTICAS
O programa trabalha com metodologias ativas, que incentivam o protagonismo dos estudantes, em quatro temáticas principais: Biodiversidades e Sociodiversidades da Amazônia; Geopolíticas da Amazônia; Identidades e Culturas da Amazônia; e Economias da Amazônia. O conteúdo é desenvolvido em diálogo com diversas áreas de conhecimento.
“Considerando esses temas urgentes do século 21, o programa se fundamenta em um tripé: formação continuada de professores; materiais pedagógicos com situações territorializadas e contextualizadas de acordo com os locais em que os estudantes e professores vivem; e assessoria técnico-formativa para apoiar as secretarias de educação a implementarem o programa”, esclarece Alcielle dos Santos, diretora de Educação do Instituto Iungo.
A pedagoga acrescenta que só foi possível elaborar a matriz curricular com tal nível de profundidade porque foi construída de forma colaborativa. “Foram cerca de 120 pessoas trabalhando na construção, entre jovens, educadores, especialistas em Amazônia e ensino médio e as próprias secretarias de educação dos oito estados que hoje fazem parte dos Itinerários”, explica.
Atualmente, o material dos Itinerários Amazônicos já conta com mais de 2.600 páginas. Desde o lançamento, mais de 43 mil professores foram alcançados em ações de formação e mais de 1 milhão de estudantes foram impactados na região.
Pará tem política pública estadual
No Pará, a temática ambiental é trabalhada por meio da Política Pública de Educação para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima, lançada oficialmente em junho de 2023 e implementada nas escolas desde o início de 2024.
Além do componente curricular obrigatório de educação ambiental na rede estadual de ensino, a política traz outros eixos, como a criação de Centros de Inovação e Sustentabilidade da Educação Básica; o repasse de recursos diretamente para as escolas investirem em sustentabilidade ambiental; e a alfabetização ambiental, culminando no plantio de uma árvore a cada estudante alfabetizado.
“A alfabetização ambiental nos anos iniciais pretende fazer o letramento, mas com uma forte pegada de educação ambiental, ou seja, os materiais trabalhados no processo de alfabetização são voltados para o meio ambiente”, explica Mauro Tavares, coordenador de Educação Ambiental da Secretaria de Educação do Pará (Seduc).
O componente curricular propriamente dito é implementado dentro de sala com uma hora de aula semanal em todas as séries da educação básica, do primeiro ano do ensino fundamental ao terceiro do ensino médio. Além da rede estadual, municípios interessados também podem aderir ao componente. Atualmente, dos 144 municípios paraenses, 80 já aderiram. A expectativa da secretaria é alcançar a totalidade do estado.
CONTINGENTE
Para executar o componente, a Seduc conta com a parceria do Instituto iungo e dos Itinerários Amazônicos. “A Seduc tem se aproximado de institutos que têm nos ajudado a fortalecer a implementação da política estadual e um deles é o iungo, que auxilia tanto na produção do material didático quanto na formação continuada dos professores”, destaca Tavares. De acordo com a diretora Alcielle dos Santos, do iungo, o componente já permitiu a formação continuada de 10 mil professores no Pará que, ao serem impactados, alcançaram mais de 400 mil estudantes.
“Dentro dessa hora de aula semanal, o professor que está à frente do componente tem acesso ao material didático e consegue, a partir de um debate, provocar os estudantes para promover a educação ambiental não somente no território da escola, mas chegando à família, à comunidade. Entendemos que o componente, mais do que transferência de conteúdo, precisa promover mudanças comportamentais e atitudinais, atravessando os muros da escola”, analisa Mauro Tavares.
Estudantes se percebem protagonistas
Um exemplo da saída dos muros escolares ocorreu na Escola Estadual João Carlos Batista, em Ananindeua, no Pará. Brenda Costa, professora de Geografia, Estudos Amazônicos e Educação para o Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima, conta as experiências com seus alunos durante o ano de 2024.
“Quando a gente começa discussões teóricas e pergunta ao nosso aluno sobre problemas ambientais existentes, ele fala do desmatamento da floresta amazônica. Ele não consegue perceber a cidade de Ananindeua como parte da Amazônia e que o problema ambiental do nosso bairro também é um problema da Amazônia. Então, conforme proposta inclusive verificada no material didático, a gente sai a campo com os alunos para que eles possam identificar os problemas locais, mais próximos de nós”, descreve a docente.
A professora relata que, com cadernos de bordo, onde podiam fazer anotações, os alunos saíram pelos arredores da escola, inclusive em uma feira que fica nas proximidades. Lá, puderam identificar dois grandes problemas: o desperdício de alimentos, como hortaliças e frutas, e o descarte irregular do óleo de cozinha.
“Então nós começamos a discutir de que forma poderíamos buscar uma solução e surgiu a proposta de produzirmos um sabão ecológico 100% biodegradável, produzido com o óleo das lanchonetes da feira, que costumava ser jogado diretamente no esgoto, trazendo impactos ambientais”, diz Brenda Costa.
COMPREENSÃO
A professora já vê resultados das discussões propostas pela disciplina. “A gente vê que nosso aluno começa a compreender, de forma mais crítica, que ele é o grande protagonista nesse debate, enquanto jovem amazônida, e que ele pode transformar seu espaço”, reflete.
Para ela, o material dos Itinerários Amazônicos foi importante para esse processo. “É um livro moderno, que foge do modelo tradicional. Ele traz QR codes que direcionam para músicas, vídeos. E também houve uma grande preocupação do conteúdo com a questão da regionalidade, com músicas regionais, exemplos de lideranças da juventude da Amazônia. Isso desperta um novo olhar do nosso aluno”, afirma a docente.
O testemunho da aluna Estefane Macedo, de 16 anos, da Escola João Carlos Batista, confirma a opinião da professora. “Eu aprendi a ter um consumo mais consciente, a economizar energia e água, a evitar desperdício e preferir produtos ecológicos. Eu pratico e repasso todos os meus conhecimentos para minha casa, como, por exemplo, guardar o óleo utilizado para ter um descarte adequado e fazer a reciclagem dos produtos. A disciplina de educação ambiental ajuda a formar pessoas responsáveis e comprometidas com a sustentabilidade. A educação muda o mundo”.
Programa chega a escolas do Maranhão
O Maranhão tem cerca de 80% do seu território dentro da Amazônia Legal. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 181 municípios, de um total de 217. O estado também é um dos que receberam os Itinerários Amazônicos.
No início de 2023, o Instituto iungo procurou a Secretaria de Educação do Maranhão para propor a implantação do programa. “Eles apresentaram os Itinerários Amazônicos e nosso estado viu como algo que poderia contribuir para melhoria da formação dos nossos estudantes. Então, ao longo de 2023, houve toda a organização, a adaptação do conteúdo do material à nossa realidade e nossa estrutura curricular”, conta Sueli Brito, técnica de Acompanhamento Pedagógico das Escolas da Seduc Maranhão.
Durante o segundo semestre daquele ano ocorreram as formações das equipes gestoras e dos professores, e o componente curricular foi implementado em sala de aula no início de 2024. “Os professores recebem esse material estruturado que o iungo fornece e só têm que adaptar ao seu planejamento, como algo que vai somar ao que eles já desenvolvem, estimulando as competências que os Itinerários se propõem a trabalhar”, avalia Sueli Brito.
NOVOS HÁBITOS
Ezaquiene Passos, diretora do Centro de Ensino Dr. José Neiva, no município maranhense de Pastos Bons, avalia que o componente curricular é fundamental para a formação de cidadãos comprometidos com o meio ambiente e que sejam capazes de transformar a realidade em que vivem.
“As temáticas abordam a importância de preservar os recursos naturais, bem como a compreensão de si como parte da vida na Terra. O resultado que observamos no dia a dia da escola foi a construção de hábitos de conservação e a compreensão dos alunos de que, além da comunidade em que vivem, existem outras, em contextos diferenciados, cultural e socialmente”, afirma a gestora.
Algumas das atividades realizadas pela escola, ao longo do ano, envolveram uma ida até o rio Parnaíba, que fica próximo da cidade, onde a turma foi levada a refletir sobre recursos naturais e como intervir para que eles se mantenham para as futuras gerações; e uma pesquisa, com entrevistas e gravações de vídeos, junto à comunidade local, a respeito de plantas medicinais e fitoterápicos. “Além disso, fizemos visitas a pontos turísticos mostrando, além da beleza, formas de preservar, ressaltando também o pertencimento à região amazônica”, relata a diretora.
“DEPENDE DE NÓS”
A aluna Kemilly Silva, de 17 anos, da escola em Pastos Bons, conta que, por meio do componente curricular, aprendeu sobre reciclagem, visitou áreas protegidas e participou da criação de uma pequena horta.
“Aprendi a olhar o meio que vivo de forma diferente. Estudar isso na escola é muito importante, porque nos ajuda a ter em mente que ter um ambiente bom para se viver depende de nós, que é nossa responsabilidade fazer a diferença com pequenas ações para ter um futuro mais saudável e sustentável. E a escola nos ajuda a ter essa conscientização”, afirma.
PARCERIA INSTITUCIONAL
A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberal e a Universidade Federal do Pará. A tradução do conteúdo é realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.