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CONFERÊNCIA DAS PARTES

“COP da floresta” marca os 30 anos de negociações sobre o clima

BELÉM - Expectativas para a COP 30, que começa amanhã, são de avanços no financiamento climático e na implementação de medidas mais concretas e ambiciosas para conter o aquecimento global

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

10/11/2025

A 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, começa amanhã (10) em Belém. Após discussões prévias realizadas durante a Cúpula dos Líderes na semana passada, nos dias 6 e 7, se iniciam de fato as negociações previstas entre os países que fazem parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).


Mas você sabe de fato o que é uma COP, seus mecanismos e objetivos? Conhece as decisões mais importantes já tomadas pelos países participantes ao longo de 30 anos de história? E tem ideia do que é esperado para a primeira edição realizada no Brasil e na Amazônia?

 

HISTÓRIA

 

Tudo começou aqui mesmo, no Brasil. Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, que ficou conhecida como Rio 92 ou Eco 92, estabeleceu a UNFCCC. Isso criou as bases para a realização da primeira COP sobre Mudanças do Clima, em 1995, em Berlim, na Alemanha.


De acordo com a professora do curso de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Pará (Uepa) Mayane Bento, a Rio 92 e a primeira COP foram respostas da política internacional sobre as mudanças do clima, que já vinham sendo apontadas pela comunidade científica, desde a década de 80, como uma grande ameaça.


“A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima é uma espécie de guarda-chuva em que os Estados componentes, de maneira voluntária, concordam com algumas premissas, como a ideia de responsabilidade comum sobre as mudanças climáticas, mesmo que de formas diferenciadas, ou seja, alguns mais responsáveis do que outros. Então, a Conferência das Partes é essa resposta política frente a documentos, acordos e tratados internacionais, para unir esforços para que todos os responsáveis e afetados pela mudança do clima possam adotar ações conjuntas”, explica a docente.
Após a primeira edição, em Berlim, a COP ocorreu anualmente, em diferentes cidades, com exceção do ano de 2020, por conta da pandemia de covid-19.

 

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Para Mayane Bento, professora da Uepa, os maiores destaques das COPs ficam com a COP 3, de 1997, em Kyoto, no Japão, e a COP 21, de 2015, em Paris, na França. Nelas, foram criados o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris (Foto: Ascom Uepa)

DESTAQUES

 

Dentre todas as edições, algumas merecem atenção especial, pelas propostas apresentadas ou resultados obtidos. Para Mayane Bento, os maiores destaques ficam com a COP 3, de 1997, em Kyoto, no Japão, e a COP 21, de 2015, em Paris, na França. Nelas, foram criados o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris.


O Protocolo de Kyoto estabeleceu metas de redução de gases do efeito estufa para os chamados países mais desenvolvidos. O acordo só poderia entrar em vigor se fosse ratificado por, no mínimo, 55 países, responsáveis por 55% das emissões de gases. Por isso, o Protocolo só passou a vigorar de fato em 2005, quando a Rússia ratificou e satisfez as condições necessárias.


Já o Acordo de Paris foi um avanço das negociações do Protocolo de Kyoto, definindo que todas as nações, e não apenas os países mais industrializados, deveriam participar do enfrentamento às mudanças climáticas. Ao todo, 195 países ratificaram o documento, que entrou em vigor em 2016. Segundo o acordo, o aquecimento global deveria ser limitado a um nível abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, com esforço para limitá-lo a 1,5ºC. “A questão é que, entre os anos de 2023 e 2024, a gente já superou essa medida de 1,5ºC. Então, isso demonstra que as ações atuais não estão sendo suficientes para combater a mudança do clima”, lamenta Mayane Bento.

Decisões relevantes de COPs mais recentes

 

Alexandre Prado, líder em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, representação brasileira da organização de conservação ambiental mundial, destaca o que ele considera as decisões mais importantes das COPs mais recentes, de 2021 a 2024.

 

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Na COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, foi feito um acordo para a redução gradual do uso dos combustíveis fósseis, buscando atingir a neutralidade das emissões até 2050 (Foto: Karim Sahib-AFP)


“A COP 26, em Glasgow, na Escócia, em 2021, foi muito marcada pela discussão da necessidade de fazer uma transição dos combustíveis fósseis, a transição energética. Isso resultou, dois anos depois, na COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em um acordo para a redução gradual do uso dos combustíveis fósseis, buscando atingir a neutralidade das emissões até 2050, com a transição energética para fontes renováveis e limpas. Outro ponto acordado foi a eliminação do desmatamento até 2030”, pontua. 


“Já na COP 27, em Sharm el-Sheikh, no Egito, em 2022, o acordo mais importante foi a criação do Fundo de Perdas e Danos, um mecanismo de financiamento dos países mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos e mais vulneráveis, que já estão sofrendo perdas por conta das mudanças climáticas. É uma medida compensatória, considerando que os países mais desenvolvidos já emitiram muitos gases do efeito estufa por 200 anos, desde a industrialização, e por isso devem ajudar os países que emitiram menos, para que tenham uma reparação”, completa Prado.


Mayane Bento ressalta que, na COP 29, no ano passado, em Baku, no Azerbaijão, um dos destaques foi a mudança no valor anual definido para repasse dos países mais desenvolvidos para financiar as medidas de mitigação, adaptação e perdas e danos dos países em desenvolvimento. “O valor estipulado até então era de 100 bilhões de dólares anuais e Baku teve um sucesso claro em aumentar esse valor para 300 bilhões. O problema é que o Balanço Global, que avalia o que se conseguiu alcançar do Acordo de Paris, aponta que existe uma lacuna, porque é necessário mais de um trilhão para alcançar a meta de limitar o aumento da temperatura. Esse certamente será um ponto abordado na Conferência em Belém”, adianta a docente.

Chegar a consensos desafia países

 

Ao longo da história das COPs, houve avanços, mas também vários impasses, como a dificuldade de chegar a consensos, demora na ratificação dos compromissos, recusa de países a entrar nos acordos ou mesmo abandono do acordo, a exemplo dos Estados Unidos, um dos países que mais emitem gases do efeito estufa e que anunciaram, neste ano, a saída do Acordo de Paris.

 

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Alexandre Prado, líder em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, aponta que a dificuldade de chegar a consensos nas COPs advém da diversidade, já que são 198 países diferentes (Foto: Guilherme Kardel Miracena/WWF-Brasil)


A professora de Relações Internacionais Mayane lembra que, apesar de a ciência saber que as mudanças climáticas são danosas à sobrevivência da humanidade, o sistema internacional se organiza de maneira fragmentada. “Os Estados são autônomos e independentes, e tomam suas decisões de forma soberana. É difícil que esses atores consigam chegar a consensos, quando estão habituados a agir em defesa da sua própria população, e não em função de um bem comum da humanidade. Além disso, há a complexidade da própria agenda climática, que toca diretamente em uma série de elementos já cristalizados na forma de ver o mundo. Combater as mudanças do clima modifica nosso modo de produzir, de consumir. E isso se torna um desafio, porque significa perder alguns privilégios, adotar medidas que, de imediato, possam ser desvantajosas economicamente”, analisa.


A docente complementa que há discordâncias entre os países. “Os mais desenvolvidos têm interesses diferentes dos países em desenvolvimento. A Nicarágua, por exemplo, acredita que a responsabilidade é do conjunto de 12 países que representam quase 70% da emissão dos gases do efeito estufa. E o impacto das mudanças climáticas muitas vezes é muito maior e mais danoso para os países em desenvolvimento. São fatores complexos para o alcance de consenso, que é a forma de tomada de decisão no âmbito das COPs”, reflete. 


Alexandre Prado aponta que a dificuldade do consenso advém da diversidade, já que são 198 países diferentes. “Imagine dez pessoas em uma mesa de jantar tentando definir como vamos estar daqui a dez, quinze anos. Já seria difícil concordarem, mesmo sendo pessoas amigas. Imagine então mais de 190 países que não são necessariamente amigos. Há aqueles que ganharam e ainda ganham muito com a matriz econômica como está. Os que estão perdendo obviamente querem mudar, mas os que estão ganhando, não necessariamente”, avalia.

 

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Na COP 29, no ano passado, em Baku, no Azerbaijão, um dos destaques foi a mudança no valor anual definido para repasse dos países mais desenvolvidos para financiar as medidas de mitigação, adaptação e perdas e danos dos países em desenvolvimento (Foto: Alexander Nemenov/AFP)

Otimismo cerca a COP 30

 

Para Mayane Bento, os pontos mais esperados para a COP de Belém são as agendas de financiamento, perdas e danos, adaptação, mitigação e a atuação de entidades subnacionais, como os estados, a exemplo do Pará. “Há uma perspectiva otimista, principalmente porque a Conferência ocorre no Brasil, na Amazônia. Já são dez anos do Acordo de Paris e há uma perspectiva que essa COP permita negociar elementos mais burocráticos, para de fato garantir a implementação de projetos, políticas, medidas concretas no combate às mudanças climáticas. Por isso, se fala em COP da implementação”, argumenta.


“Por outro lado, o que abala um pouco o otimismo é a atual conjuntura geopolítica. A ausência dos Estados Unidos no Acordo de Paris, o contexto de conflito na Europa, a guinada de uma extrema direita que defende o negacionismo climático podem ser freios em relação às expectativas positivas”, avalia a professora.


Já Prado ressalta que a COP trará uma discussão de ambição, sobretudo frente ao Relatório de Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) das Nações Unidas, divulgado no fim de outubro. As NDCs são as políticas e decisões de cada nação para alcançar a redução de emissões de gases do efeito estufa. O relatório aponta que as metas atuais dos países estão muito aquém do necessário para limitar a redução do aquecimento global. 


“Uma das coisas que a COP 30 deve entregar, olhando para o cumprimento do Acordo de Paris, olhando para as NDCs que estão na mesa e o tamanho do buraco, é o quanto precisa aumentar a ambição. De acordo com o relatório, o número final das NDCs avaliadas é de uma redução de emissões de 17% até 2035, mas o necessário seria 60%. Outros itens da agenda envolvem os indicadores de adaptação climática, transição energética e, obviamente, a questão do financiamento: o mapa do caminho para chegar ao 1,3 bilhão de dólares necessários”, aponta o ambientalista.

 

O penúltimo dia da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 29), em Baku, no Azerbaijão. AZERBAIJAN-UN-CLIMATE-COP29-LAURENT THOMET-AFP.jpg
Ativistas protestam na COP 29 sobre o valor de 300 bilhões de dólares anuais para o financiamento climático. “O problema é que o Balanço Global, que avalia o que se conseguiu alcançar do Acordo de Paris, aponta que existe uma lacuna, porque é necessário mais de um trilhão para alcançar a meta de limitar o aumento da temperatura”, diz Mayane Bento (Foto: Laurent Thomet/AFP)

Amazônia como símbolo dos desafios

 

Para Prado, a realização de uma COP na Amazônia tem um peso simbólico gigante. “Isso ressalta a importância da floresta amazônica para a estabilização do clima no planeta. A gente fala que é uma COP na floresta e temos certeza que a agenda da floresta sairá diferente dessa COP, com o que está sendo proposto pelo Brasil e outros países, como a meta de eliminar o desmatamento até 2030 e de conservação e restauração florestal, olhando para as populações indígenas e quilombolas. É uma COP em que a importância da floresta para a mudanças do clima vai entrar de um jeito e sair de outro”, opina. 


Para Mayane, a COP na Amazônia tem, primeiramente, uma função pedagógica, porque dá visibilidade à agenda climática na região. “Serve como uma forma de esclarecimento. Mas ela acontecer na Amazônia é também um paradoxo, porque é uma região que enfrenta sérios desafios ambientais, como o desmatamento. Ela é tanto um espelho do que a gente precisa preservar, mas também um espelho de destruição. É um símbolo dos desafios que o combate às mudanças climáticas representam”.

 

 

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