Captura de Pirarucu (Embrapa_Jefferson Christofelleti 2).jpg
ALIMENTAÇÃO

Um gigante vai caber em uma lata

Um dos símbolos da Amazônia, o pirarucu pode ultrapassar os três metros de comprimento e pesar mais de 300 quilos. Pesquisadores da Embrapa estão na fase final de testes de uma versão mais compacta desta espécie, que vai caber nas prateleiras dos supermercados: o pirarucu em conserva

Eduardo Laviano

07/04/2023

Peixe gigante símbolo das águas doces da Amazônia, o pirarucu pode chegar a três metros e passar dos 300 quilos. 

Mas, se depender da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), muito em breve ele estará disponível em uma versão bem mais compacta e nas prateleiras dos supermercados. 

A instituição desenvolveu o filé de pirarucu em conserva, que já está em fase final de testes.


Segundo a pesquisadora Alessandra Ferraiolo, algumas vantagens podem levar o produto a se destacar no mercado: a espécie (Arapaima gigas) apresenta alta taxa de crescimento, boa adaptação às condições de cultivo, rendimento muscular e qualidade da carne, com coloração clara, textura firme, sabor suave, além de ausência de espinhas intramusculares e baixo teor de gordura. 

O pirarucu também possui grande qualidade nutricional (1,5% de lipídeos, 1% de conteúdo mineral 1 e 19% de proteínas), sanitária, boa aceitação sensorial e maior vida útil.


"É um produto de conveniência, pronto para o consumo, e que não necessita da cadeia do congelamento para armazenamento, distribuição e comercialização. O pirarucu permite ainda cortes diferenciados, como em medalhões. Tais características possibilitam o uso da espécie como matéria-prima alternativa para o processo de enlatamento na indústria de pescados, em um nicho de mercado de produtos de alta qualidade e alto valor agregado", afirma Ferraiolo.


Ela relata que a ideia de desenvolver a conserva de filé de pirarucu surgiu a partir de um projeto de implantação e validação de tecnologias para a criação de pirarucus em comunidades ribeirinhas. O objetivo foi diversificar os produtos de peixes enlatados existentes no mercado, agregar valor e incentivar o consumo de modo a fomentar a cadeia produtiva da espécie. 

Pirarucus (Embrapa_Jefferson Christofelleti).jpg
“É um produto de conveniência, pronto para o consumo, e que não necessita da cadeia do congelamento para armazenamento, distribuição e comercialização”, Alessandra Ferraiolo, pesquisadora

Na opinião do chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental, Walkymário Paulo Lemos, trata-se de uma oportunidade de ouro para fortalecer a bioeconomia da região amazônica em torno de um insumo abundante e endêmico, já que muitas áreas de manejo estão em comunidades ribeirinhas.


Lemos aponta que a logística para que o pirarucu chegue no prato de uma pessoa de fora da Amazônia é cara e complexa, e, portanto, a conserva seria um trunfo para superar essa barreiras. 

"A gente se perguntou o porquê de serem tão poucas as espécies ofertadas em conserva. E pensamos que seria muito positivo ter um peixe da Amazônia em lata, pois permitiria que outras pessoas consumissem o pirarucu de maneira bem mais fácil. No Brasil só temos oferta alta de conserva de sardinha e atum. E, eventualmente, salmão. Ou seja, existe uma brecha de mercado e não vejo opção melhor e mais saborosa que o pirarucu para preenchê-la. Podemos gerar renda para os nativos da Amazônia com peixes nativos da região", argumenta.


Interesse mundial pelos peixes da Amazônia é grande

 

Na opinião de Francisco Medeiros, presidente da Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR), o que vai determinar o sucesso ou não do pirarucu em conserva é o preço. 

Ele também acredita que o peso da chamada "marca Amazônia" e o nicho de mercado voltado para consumidores consciente focados em apoiar pequenos produtores e iniciativas ambientalmente responsáveis também podem impulsionar o prestígio do produto.


"Temos que melhorar a produtividade e competitividade e isso passa por pesquisa da Embrapa. Um dos principais produtos do pirarucu de manejo é a manta salgada dele, ainda vendida com baixo valor sanitário, econômico e organoléptico. Mas é um produto muito nobre para ser vendido de qualquer jeito, como é na maioria dos casos em Belém. Quem compra são os amazônicos, não o resto do mundo. Mas quanto mais pesquisas, mais produtos podem ser desenvolvidos e mais valor é agregado", destaca.

Manejo comunitário de pirarucu (Embrapa_Ronaldo Rosas 2).jpg
"É um mercado que só vai se expandir e não vejo possibilidade do pirarucu em conserva não dar certo",
Koji Arima, sócio-proprietário da Paima Pescados


Para Cassandra Lobato, do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Pará, o interesse mundial por peixes da Amazônia é grande e só tende a aumentar. 

Só nos últimos 10 anos, o aumento nas exportações chegou a 68%, tendo como principais parceiros os Estados Unidos, Hong Kong e a China. Em 2022, com os mercados se reaquecendo, o Pará faturou 78 milhões de dólares com a venda de peixes para o mercado externo, um acréscimo de 1,19% em relação ao resultado de 2021.


"Os Estados Unidos não compram na mesma quantidade que a China, mas é um país de gostos e interesses muito diversificados. É aí que o diferencial e exotismo dos peixes amazônicos entram. O pescado contribui muito para a diversificação da balança comercial paraense. Já temos uma cultura exportadora estabelecida de peixes, então esse é mais um produto para fortalecê-la. Temos um trabalho intenso e contínuo de promover o peixe amazônico em feiras internacionais, ajudar nas adequações sanitárias, de embalagem e marketing. O horizonte é promissor", pontua.

ESTUDO


A Embrapa avaliou tanto os peixes de cativeiro quanto os de manejo comunitário. Foram usados filés de diferentes partes do corpo do animal com o objetivo de investigar se todas eles respondem de maneira positiva e equânime ao processo de conserva ou se adaptações seriam necessárias. 

Os peixes filetados foram colocados em uma solução de salmoura a 3%, uma água saturada de sal utilizada para preservar e intensificar o sabor. Também foram feitos processos de esterilização e retirada do oxigênio, que elimina o excesso de vapor de ar e evita problemas sanitários. A conserva de pirarucu foi submetida a testes de análise sensorial e de aceitação da carne, realizados com voluntários vendados. A conserva elaborada com o pirarucu da piscicultura foi a preferida em comparação à elaborada com o peixe oriundo da pesca. Os peixes de criação se sobressaíram nos atributos textura, sabor e impressão global. 

"A conclusão foi de que o sabor foi muito bem aceito e o peixe manteve todas as características organolépticas", conta Walkymário. 

Os próximos estudos irão focar na análise do tempo de prateleira e a expectativa é de que o período que o produto poderá ser mantido à venda é longo.


As pesquisas catalogaram outras vantagens mercadológicas por conta de características zootécnicas. 

Pesca do Pirarucu (Embrapa_Vinicius Braga).jpeg
Trata-se de uma chance de ouro para fortalecer a bioeconomia da região amazônica, de acordo com especialistas (Vinicius Braga/Embrapa)

O pirarucu, por exemplo, é um peixe que tem um ganho de peso bastante expressivo ao longo de um ano - até 12 quilos-, especialmente em condições adequadas de manejo. Isso aumenta a oferta de carne do filé. Em termos de rendimento econômico, pesquisas da Embrapa indicam que o pirarucu supera duas vezes o tambaqui e em até 40 vezes aos bubalinos, bovinos e ovinos. 

"E é uma carne atrativa ao olhar, pela coloração branca. Já estamos começando a tratar com empresas sobre o tema, para futuramente firmar contratos de parceria. Nossa expectativa é que esta tecnologia leve essa inovação para o mercado e os consumidores desfrutem do produto", aponta.

 


Pirarucu em conserva é promissor, afirma produtor

Os bons resultados da pesquisa da Embrapa animam os produtores de pirarucu de cultivo. É o caso do Koji Arima, sócio-proprietário da Paima Pescados, localizada em Benevides. Hoje, a empresa atende majoritariamente o mercado local, mas Arima busca, aos poucos, expandir os negócios para além das fronteiras do Pará. Inicialmente, ele produzia tambaquis, mas o custo-benefício da produção o fez migrar de foco. Hoje, ele coordena a produção de 14 tanques, cada um abrigando entre 200 e 250 pirarucus. Eles são criados em tanques-lona de geomembranas em piscinas de seis metros de diâmetro, no método conhecido como adensamento.


“É um animal rústico, pré-histórico, que sobreviveu bem ao tempo. O manejo dele é mais fácil, pois é um peixe com respiração tanto de pulmão quanto pelas guelras brânquias respiratórias. Então, não precisamos de um tratamento muito específico de oxigênio, mas estamos sempre trocando a água para eliminar impurezas. Mas o fato de não precisar se preocupar com a oxigenação da água é uma vantagem”, diz.


Ajima acredita que o pirarucu em conserva é promissor por se tratar de uma novidade. Ele trabalha atualmente com o abate de animais na faixa de 10 quilos, estágio que ele descreve como o ponto ideal de maciez e qualidade protéica da carne. Hoje, a Paima também produz bolsas de couro de pirarucu, com o objetivo de aproveitar 100% do peixe.


"É uma iniciativa que vai na mesma direção do desenvolvimento da conserva, pois queremos verticalizar cada vez mais a produção. Começamos a manufaturar de maneira pequena ainda, com corteamento e tingimento aqui mesma na propriedade. Dá para ter um lucro considerável a partir de um produto anteriormente descartado. Se for de qualidade e boa procedência, o pirarucu é um mundo de possibilidades mesmo. É um mercado que só vai se expandir e não vejo possibilidade do pirarucu em conserva não dar certo", aponta.


O chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental, Walkymário Paulo Lemos, não vê a hora dos estudos serem concluídos e das empresas levarem os produtos para a prateleira.

"Nossa aposta é alta no pirarucu, mas podemos expandir para outras espécies. O mundo discute agendas globais estratégicas muito aderentes à região amazônica. Temos uma mega riqueza biológica que não se expressa em riqueza social para a nossa população. Esta tecnologia é amigável ao envolvimento das populações locais no processo de criação do pirarucu e pode se tornar um belo exemplo do nosso potencial bioeconômico, com a ciência sendo um vetor, um aliado dessa nova realidade. Me parece um bom exemplo do que o mundo busca e o Pará tem chance de estar na linha de frente disso".


Conserva de alimentos remonta ao ano de 1795


Foi durante as guerras napoleônicas e a crescente necessidade da França de estocar comida de maneira mais duradoura e higiênica que o então imperador Napoleão Bonaparte ofereceu 12 mil francos para quem criasse um novo processo de conservação de comidas. 

A tecnologia de enlatar alimentos foi desenvolvida em 1795 pelo cozinheiro francês Nicolas Appert, que inicialmente usava garrafas para o processo. O nome dele está eternizado no método, que é conhecido como apertização. Ele não morreu rico, apesar do sucesso dos produtos, que logo ganharam o mundo. Em 1810, o comerciante britânico Peter Durand patenteou um método próprio focado somente em latas, criando assim o processo moderno de enlatamento de alimentos.


Segundo o presidente da Peixe BR, o Brasil pode e deve ampliar o mercado de peixes em conserva. 

Ele acredita que o desenvolvimento da conserva de pirarucu prova que todo e qualquer pode ser vendido em lata, desde que haja investimento em pesquisa para viabilizar os produtos. 

"Em Belém, os barcos de pesca chegam diariamente no Ver-o-Peso, com uma quantidade enorme de peixe de baixo valor comercial, que poderiam ir para a lata. O pirarucu é um peixe excepcional, mas é caro. A iniciativa é boa porque abre portas para que outras conservas sejam desenvolvidas. Penso que essa moda pode pegar e, com o tempo, deve chegar a peixes mais populares", avalia Francisco Medeiros.


Medeiros lembra que, dez anos atrás, houve um boom no sistema de criação de pirarucu em cultivo no estado de Rondônia, norte do Brasil, que chegou a produzir nove mil toneladas por ano. 

Esse incremento de cultivo se espalhou pela região amazônica, provocando melhorias no sistema de cultivo de pirarucu e se tornando um exemplo de sucesso de pesca sustentável no mundo todo. 

Na medida que aumenta a produção de pirarucu de cultivo, em ambiente e alimentação controlados, a produção do pirarucu de manejo, que depende somente de linha e anzol, reduz. Mas o custo de produção de um peixe de cultivo é mais alto, podendo chegar a R$ 12 o quilo. Já o de manejo, na safra, sai entre R$ 4 a R$ 6 em média.


"O pirarucu de cultivo não tem como competir com o pirarucu de manejo. Somos favoráveis ao manejo pois é uma ação de sustentabilidade importante. A médio e longo prazo vemos o aumento da oferta do pirarucu de manejo. O consumidor ainda não está disposto a pagar duas vezes mais pelo peixe de cultivo, ele quer comprar mais barato. Sendo assim, a produção proveniente de cultivo ainda é focado em nichos de mercado", diz.