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PROPRIEDADES TERAPÊUTICAS

Jambu é aposta para a indústria farmacêutica

VERSÁTIL - Para além do uso na culinária regional, a planta tem efeitos anestésicos, analgésicos e anti-inflamatórios que motivam pesquisas no Brasil e no mundo

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

21/09/2025

“Eu vou tomar um tacacá, dançar, curtir, ficar de boa”. O hit da cantora Joelma viralizou pelo Brasil e deu mais evidência ainda a esse prato típico da culinária amazônica e seus ingredientes, como o jambu. Embora a “descoberta” dos pratos e ingredientes regionais pelo grande público seja relativamente recente no País, as propriedades terapêuticas da flora e fauna amazônicas já são velhas conhecidas dos cientistas.


A Amazônia abriga cerca de 20% da biodiversidade do planeta e tem um potencial ainda inexplorado, mas muito promissor, para fornecer matéria-prima para as mais diversas aplicações na área da saúde. Mas o jambu (Acmella oleracea) já vem sendo estudado há algum tempo local, nacional e internacionalmente por conta do ativo que causa na boca o que, na gíria local, se chama de “treme”: a sensação de dormência. 

 


O que causa essa sensação, ao se ingerir o jambu, é um componente chamado espilantol, que tem propriedades anestésicas - daí o formigamento sentido na boca. Essa característica é há muito conhecida pela medicina tradicional, que utiliza a planta para efeitos analgésicos, anti-inflamatórios e antimicrobianos para vários tipos de enfermidades, como dentárias, de garganta ou de estômago.

TRADIÇÃO

 

Esse conhecimento tradicional acabou chegando à pesquisa científica, mostrando a importância de unir os dois tipos de saberes. Ana Paula Silva, doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal do Pará (UFPA), traz esse conhecimento de família. “Sou de Baião, no interior do Pará. Cheguei a ver minha avó usando a infusão de jambu para passar em machucados e aliviar a dor”, conta. Hoje, a pesquisadora estuda as propriedades do jambu no Laboratório de Tecnologia Supercrítica (Labtecs) da UFPA, sediado no Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) do Guamá.


Em seu doutorado, Ana Paula estudou as melhores maneiras de extrair o óleo de jambu, de forma a potencializar a obtenção de seus princípios ativos. Ela criou um equipamento específico, que utiliza gás carbônico para transformar o jambu torrado e moído no extrato, por meio da chamada tecnologia supercrítica. 

 

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O conhecimento tradicional acabou chegando à pesquisa científica. Ana Paula Silva traz esse conhecimento de família. “Sou de Baião, no interior do Pará. Cheguei a ver minha avó usando a infusão de jambu para passar em machucados e aliviar a dor”, conta. Hoje, a pesquisadora estuda as propriedades do jambu (Foto: Igor Mota/O Liberal)


O método permite criar produtos mais naturais, com a adição de menos componentes. Um dos produtos, por exemplo, é feito com apenas seis ingredientes, enquanto similares no mercado levam no mínimo vinte. “São coisas que serão absorvidas no organismo. Então, são menos produtos ingeridos para determinada ação”, explica a pesquisadora.


O produto que leva apenas seis ingredientes, feito à base do jambu, é um filme de absorção rápida para o uso por pacientes oncológicos, que sofrem com a doença da boca seca. “Ninguém vai tomar o extrato puro. Assim, a gente pensa, de acordo com a aplicação, a forma mais confortável de uso. Pacientes com câncer, sobretudo de cabeça e pescoço, têm as glândulas salivares afetadas pela rádio e quimioterapia. A saliva para de ser produzida ou sua produção cai drasticamente. O paciente pode levar o filme no bolso e colocar na boca a qualquer momento, e ele se dissolve. O espilantol começa a agir, tanto com a propriedade anestésica quanto de estimular a saliva. Também produzimos um enxaguante bucal, que pode ser usado antes das refeições, para estimular a saliva e que os pacientes possam se alimentar melhor”, explica Ana Paula. 


Até o momento, a pesquisa já realizou testes pré-clínicos, ou seja, em animais. O próximo passo é entrar em contato com hospitais para fazer os testes em humanos.

 

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Alguns dos produtos à base de jambu criados no Labtecs. “O grande problema dos extratos de jambu já comercializados é sua composição. Não são tão potentes quanto o que a gente está produzindo aqui, que é 100% puro, sem solventes, sem resíduos”, pontua Ana Paula Silva (Foto: Igor Mota/O Liberal)

USOS

 

Segundo a pesquisadora, o jambu tem uma grande versatilidade de usos na área da saúde. “Essa substância que tem no jambu, o espilantol, tem atividade anestésica, analgésica, anti-inflamatória e antimicrobiana. Essas quatro propriedades são importantes, por exemplo, no filme para pacientes oncológicos, porque com o ressecamento da boca há uma proliferação de microrganismos”, detalha.
Além do filme e do enxaguante bucal, o Labtecs já produziu cápsulas nutracêuticas que potencializam o uso de outros nutracêuticos, como vitaminas. O laboratório também fabrica o óleo e o extrato do jambu, utilizados pelas indústrias farmacêutica e cosmética. 


“O grande problema dos extratos de jambu já comercializados é sua composição. Alguns contêm álcool, por exemplo, o que é prejudicial e diminui pela metade os benefícios dos produtos. Já a água é suscetível à proliferação de microrganismos. Então, esses produtos não são tão potentes quanto o que a gente está produzindo aqui, que é 100% puro, sem solventes, sem resíduos”, pontua.


O uso mais recente do extrato do jambu estudado no laboratório é para o tratamento da arritmia cardíaca. “Já fizemos o teste pré-clínico, em animais, que demonstrou uma atividade antiarrítmica semelhante a medicamentos já presentes no mercado. Mas esses remédios têm efeitos colaterais e o extrato de jambu não demonstrou nenhum efeito nesse sentido. E essa é uma demanda global. Agora, vamos buscar parcerias para os estudos clínicos em humanos”, adianta.

VERTICALIZAÇÃO

 

Ana Paula Silva criou uma startup, sediada no PCT do Guamá, chamada Green Process Solutions. Uma das frentes é o trabalho com o jambu. “Como não são medicamentos, não precisam dos testes clínicos em humanos para começar a vender, apenas da aprovação da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Ainda estamos fazendo mais alguns testes, mas a ideia é, em breve, começar a comercializar”, relata.

 

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Para Ana Paula Silva, é importante que a biodiversidade amazônica seja verticalizada localmente. “Não adianta só fornecermos a matéria-prima. A gente precisa agregar valor, agregar tecnologia aos nossos produtos", opina (Foto: Igor Mota/O Liberal)


Para a pesquisadora, é importante que a biodiversidade amazônica seja verticalizada localmente. “Não adianta só fornecermos a matéria-prima. A gente precisa agregar valor, agregar tecnologia aos nossos produtos. É necessário fazer tudo aqui, desde a extração, a pesquisa, a produção. Só assim vamos atingir de forma mais efetiva as comunidades e a região”, analisa. 


O jambu é muito estudado internacionalmente. Segundo levantamento do professor Rodney Rodrigues, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há cerca de 300 pedidos de patentes no mundo envolvendo o jambu. Apenas 27 deles são brasileiros. “Quando a gente se depara com o resto do mundo conhecendo as nossas coisas melhor do que a gente, é desesperador. A gente precisa dar um gás no nosso desenvolvimento tecnológico, explorar esse potencial para desenvolver e produzir aqui mesmo”, opina Ana Paula.

Uso na odontologia é promissor

 

Um outro estudo, realizado também na UFPA, investigou o potencial de um gel feito à base de jambu para reduzir a sensibilidade dentária após a realização de clareamento. A pesquisa, desenvolvida durante o doutorado de Brennda de Paula no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da universidade, teve resultados promissores.


“O clareamento dental causa uma inflamação, ainda que breve, sobre a polpa dentária. Por isso, há um desconforto de sensibilidade. E, no mercado, não existe nenhum ativo que seja padrão ouro para eliminar essa sensibilidade. Consultando a literatura, encontramos essa propriedade anestésica, anti-inflamatória e analgésica do espilantol. Descobrimos que esse ativo age sobre receptores que estão presentes na polpa dentária. Então, achamos que poderia, sim, ter uma ação sobre o dente, para a redução da sensibilidade, e criamos um gel com essa finalidade”, relata a odontóloga.

 

Processo de purificação do extrato de jambu para o gel usado para sensibilidade dentária - Arquivo pessoal Brennda de Paula.jpeg
Processo de purificação do extrato de jambu, para a produção do gel que reduz a sensibilidade dentária após clareamento (Foto: Arquivo pessoal/Brennda de Paula)


As fases da pesquisa envolveram a produção do extrato, a purificação, a criação do gel, a avaliação dos efeitos em células, até chegar no teste em humanos. “Tivemos a redução da sensibilidade, mas são resultados que ainda podem ser melhorados, seja com o próprio gel, seja testando com outros veículos que podem ser aplicados sobre a superfície dentária”, explica Brennda. 


Apesar de a pesquisa de Brennda já ter finalizado, o estudo na área continua, com sua orientadora, Cecy Silva, e outros pesquisadores do Programa. “Existem outras pesquisas sobre a sensibilidade dentária em si, independentemente do clareamento, e também com outros enfoques. Mas todos ainda precisam de testes de prateleira, de testes de estabilidade e outros procedimentos preconizados pela Anvisa. Só assim esses produtos poderão chegar ao mercado”, pontua a especialista.

INOVAÇÃO

 

Brennda ressalta que seu estudo trouxe inovação para a área. “Pesquisando a literatura, não encontramos nada que relacionasse a ação do jambu sobre o dente. Já havia pesquisas dentro da odontologia, como no tratamento da mucosite oral, mas nada em nível dentário. Então, tivemos que partir do zero, porque não havia uma receita de bolo ou outro estudo que direcionasse, apontasse uma metodologia. Criamos tudo, desde o processo de extração e purificação do extrato. Foram dois anos em cima dessa metodologia, para então começar os testes”, recorda. 

 

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Gel à base de jambu para sensibilidade dentária criado durante a pesquisa de Brennda de Paula (Foto: Arquivo pessoal/Brennda de Paula)


A pesquisadora considera também uma inovação apresentar um produto da biodiversidade amazônica para trazer uma solução para a odontologia. “Em vez de pesquisar ativos sintéticos, por que não usar um ativo natural que proporcione um efeito positivo sem efeitos colaterais?”

Efeitos sensoriais únicos atraíram cientista

 

Na Unicamp, os estudos das propriedades do jambu ocorrem desde 2012 e já renderam quatro patentes a Rodney Rodrigues, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da universidade.

 

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Rodney Rodrigues, da Unicamp, começou a estudar as propriedades do jambu desde 2012. “Eu me interessei em pesquisar o jambu por conta da curiosidade sobre seus efeitos sensoriais únicos, como a sensação de formigamento da boca", recorda (Foto: Pedro Amatuzzi/Unicamp)


“Eu me interessei em pesquisar o jambu por conta da curiosidade sobre seus efeitos sensoriais únicos, com a sensação de formigamento da boca. Então, desde 2012, venho estudando o vegetal, para entender suas propriedades químicas, farmacológicas e seu potencial de aplicação em várias áreas. Durante esse tempo, minhas pesquisas, junto com outros colegas, envolveram a caracterização química do jambu, o processo de extração, formulações inovadoras e tecnologias aplicáveis às áreas de alimentos, bebidas, cosméticos e farmacêutica. Alguns resultados obtidos são extratos padronizados, bebidas funcionais, géis bucais, anestésicos naturais e cosméticos”, elenca Rodrigues.

PATENTES

 

Entre os estudos que geraram patentes, conduzidos por doutorandos orientados por Rodrigues, estão o desenvolvimento de um bioadesivo para administração oral como anestésico; a criação de gel e creme para uso tópico como pré-anestésico, com efeito semelhante ao da lidocaína e anti-inflamatório; e o próprio processo de obtenção do extrato de jambu com melhor aproveitamento do espilantol, além da remoção da clorofila. Outra patente foi obtida com os estudos da síntese do espilantol, que mostrou resultados superiores aos do próprio espilantol natural.

 

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Produtos à base de jambu criados por Rodney Rodrigues e sua equipe de pesquisa (Foto: Arquivo pessoal/Rodney Rodrigues)


Para Rodrigues, é essencial que pesquisadores valorizem o conhecimento tradicional. “Ele orienta a ciência na escolha de espécies com potencial terapêutico. O jambu é um exemplo claro de como o uso popular inspira pesquisas e inovação tecnológica. A biodiversidade amazônica é um verdadeiro celeiro de biomoléculas, com enorme potencial para gerar novos fármacos, anestésicos naturais, suplementos e cosméticos funcionais, unindo tradição e ciência em benefício da saúde”, afirma. 
 

 

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