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DESMATAMENTO

Amazônia brasileira perde 18 árvores por segundo

Em apenas um dia, a região perdeu o equivalente a mais de 4 mil campos de futebol. Relatório aponta avanço sobre unidades de conservação e destaca a importância das terras indígenas para preservação das florestas

Alice Martins

06/08/2022

Dos cinco estados brasileiros que mais desmataram no Brasil em 2021, quatro são da Amazônia. A região concentra o equivalente à derrubada de cerca de 18 árvores por segundo e os estados que ocupam primeira e segunda posições, respectivamente, são  Pará e Amazonas. Esses são dados do Relatório Anual de Desmatamento, publicado em julho passado pelo MapBiomas, uma rede colaborativa, formada por Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades e startups de tecnologia. O relatório analisa, consolida e valida todos os avisos de desmatamento no Brasil, apontados por sistemas de monitoramento.

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Larissa Amorim, pesquisadora. Foto: Imazon

De acordo com Larissa Amorim, pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o garimpo ilegal é uma das atividades que mais têm crescido e avançado sobre a floresta, nos últimos anos, mesmo em áreas protegidas da Amazônia, como unidades de conservação e terras indígenas. No Pará, inclusive, estão as maiores áreas de garimpo em territórios indígenas (terras Kayapó e Munduruku) e, entre as dez unidades de conservação onde foram identificadas maior atividade garimpeira, oito ficam no estado. 

A pesquisadora faz parte do Programa de Monitoramento da Amazônia e ressalta que o cenário de desmatamento tem piorado nos últimos anos - um retrocesso significativo quando comparado às melhorias implementadas, especialmente na primeira década dos anos 2000. Segundo a pesquisadora, um bom exemplo do passado recente foi o período entre 2005 e 2012, “quando as ações governamentais e do setor privado conseguiram reduzir em 83% a taxa de desmatamento nacional”.

Larissa Amorim ressalta a importância de fortalecer órgãos como Ibama e ICMBio e retomar medidas governamentais, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que visava reduzir as taxas de desmatamento, criando condições para o desenvolvimento sustentável na região; e o Fundo Amazônia, que recebia doações para investimentos não reembolsáveis em ações relacionadas à prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento.

Agropecuária registra alto impacto nas florestas

Embora não tenha ocorrido desmatamento na maioria dos imóveis registrados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR), do governo federal, os menos de 1% que registraram desmatamento são responsáveis por grande parte da devastação identificada pelo relatório do MapBiomas: 97,8% das áreas desmatadas, nos últimos três anos, tiveram como vetor a agropecuária. 

Segundo Luis Oliveira Junior, pesquisador do Imazon e coordenador técnico na equipe do bioma Amazônia, na rede MapBiomas, essa tendência é observada em décadas passadas também. O pesquisador informa que entre 1985 e 2020, no bioma  Amazônia, foram perdidos aproximadamente 44 milhões de hectares de floresta e o uso agropecuário substituiu 99% das áreas de floresta perdida. “Vale ressaltar que parte dessas áreas abertas são abandonadas e não estão de fato em uso, pois são alvo de especulação imobiliária”, explica. “Os ‘grileiros’ têm invadido terras públicas não destinadas, desmatado-as e colocado gado sobre essas áreas para indicar um uso produtivo. É preciso, então, retirar e punir os invasores e destinar as florestas públicas ainda sem uso definido para a criação de novas áreas protegidas, como terras indígenas, territórios quilombolas ou unidades de conservação”, complementa.

O pesquisador ressalta ainda que é preciso aumentar a produtividade da pecuária na Amazônia, para combater a devastação das florestas. “Em média, há 1 animal por hectare na região, quando o ideal seriam pelo menos três. A solução envolve várias ações, entre elas rastrear e fiscalizar efetivamente o gado e dar incentivos para recuperação de pastagens degradadas”, explana Oliveira Junior.

São ainda medidas de solução propostas pelo pesquisador do Imazon: fornecer amplo acesso à assistência técnica continuada, condicionar o crédito rural ao aumento da produtividade de forma sustentável e investir em infraestrutura em áreas prioritárias. “Também é importante haver transparência de dados para que consigamos entender a complexa cadeia da carne. Atualmente, não há nenhuma garantia de origem de carne sem desmatamento”, complementa.

A reportagem do Liberal Amazon entrou em contato com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), buscando agendar entrevista ou receber um posicionamento por nota. Porém, até o fechamento desta edição, não recebeu um retorno da entidade. 

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Parques Nacionais do Jamanxim e Rio Novo, Pará. Foto: Vinícius Mendonça 

Indígenas têm forte atuação na preservação das florestas

As terras indígenas (TIs) também foram afetadas pelo desmatamento, especialmente na Amazônia e ainda mais no Pará, que abriga as cinco TIs que concentram 45% do desmatamento nesse tipo de território no Brasil, em 2021: Apyterewa, Trincheira Bacajá, Cachoeira Seca, Kayapó e Ituna Itatá.

Por mais que os danos sejam graves, esse quantitativo representa menos de 2% do total do desmatamento no Brasil. E, de acordo com dados do MapBiomas, a contenção do avanço da devastação se deve à forte atuação dos indígenas nos territórios. “Os dados de satélite não deixam dúvidas que são os indígenas que estão retardando a destruição da floresta amazônica. Sem seus territórios, a floresta certamente estaria muito mais perto de seu ponto de inflexão, a partir do qual ela deixa de prestar os serviços ambientais dos quais nossa agricultura, nossas indústrias e cidades dependem”, explica Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, em entrevista divulgada no site do projeto.

Nos últimos 30 anos, as terras indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%. Atualmente, as terras indígenas ocupam 13,9% do território brasileiro e contêm 109,7 milhões de hectares de vegetação nativa, que correspondem a 19,5% da vegetação nativa no Brasil em 2020.

Unidades de Conservação - Nas Unidades de Conservação (UCs), que possuem características especiais que garantem a proteção por lei de suas terras, 166.895 hectares de árvores foram derrubadas em 2021, o que representa 10,1% da área total desmatada no Brasil. As duas unidades com maior área desmatada no país estão no estado do Pará: foram a Área de Proteção Ambiental (APA) do Triunfo do Xingu, com 48.971 ha, e a Floresta Nacional (FLONA) do Jamanxim, com 18.281 ha. 

Ilegalidade e impunidade predominam

O Relatório Anual de Desmatamento também analisou as ações de contenção ao desmatamento ilegal, realizadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Dos desmatamentos identificados entre 2019 e 2021, apenas 2,4% sofreram algum tipo de embargo ou autuação até maio de 2022, evidenciando uma fragilidade na fiscalização e punição do desmatamento no Brasil. Além disso, o Relatório indica que mais de 98% dos casos de desmatamento no país apresentam algum nível de ilegalidade.

Para o procurador da república Daniel Azeredo, coordenador do Projeto Amazônia Protege, do Ministério Público Federal (MPF), é preciso maior rigidez na aplicação da legislação já existente que protege as florestas. “É preciso combater a impunidade. Os infratores precisam ver que a lucratividade não pode se sobrepor à legislação, que o desmatamento ilegal não é o melhor caminho”, declara. Segundo Azeredo, a legislação prevê diversas penalidades em caso de desmatamento ilegal, como a perda das áreas, a indenização e a proibição de produção nessas áreas.

A reportagem do Liberal Amazon também entrou em contato com ICMBio e IBAMA, sem retorno de ambos os órgãos, até o fechamento desta edição. 

Ao término desta leitura, mais de 15 mil árvores terão sido derrubadas na Amazônia Brasileira

Satélites têm papel importante na fiscalização 

Segundo o procurador Daniel Azeredo, um dos desafios no combate ao desmatamento na Amazônia é que não há servidores públicos suficientes para a fiscalização, devido à extensão territorial da região. Por isso, atualmente, conta-se com satélites para inspecionar a região, por meio do Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes/Inpe).

Assim, combina-se a fiscalização presencial pelo IBAMA com a análise das imagens por satélite. O MPF, por sua vez, recebe as imagens e registra áreas de desmatamento ilegal, por meio do projeto Amazônia Protege. Em seguida, o Ibama analisa as imagens, cruza as informações com bancos de dados públicos e emite laudos constatando o desmatamento ilegal. “Funciona sob a mesma lógica dos radares de trânsito. O Detran não tem capilaridade para ter servidores em todos os pontos das rodovias, por isso conta com as imagens para conseguir ampliar o monitoramento. É o que fazemos com as imagens de satélite”, explica Azeredo. 

Além de facilitar a fiscalização, o uso de satélites torna o processo menos custoso aos cofres públicos, agiliza os processos e garante mais evidências para quando se inicia uma ação jurídica contra quem desmata ilegalmente. Isso porque as provas remotas que são captadas pelas imagens conseguem demonstrar como uma área era antes e depois de um determinado momento, deixando claro quando houve o desmate. “Hoje, conseguimos ajuizar ações unicamente com as imagens de satélite e dados públicos”, acrescenta o procurador, referindo-se a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que, desde 2020, passou a aceitar a condenação de réus por desmatamento tendo como base provas obtidas remotamente. 

O Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal existe desde 2017 e a expectativa do MPF é que seu uso contribua para ter mais celeridade nos processos e maior punição para os casos de desmatamento ilegal. Esses são pontos importantes, uma vez que, segundo o Imazon, apenas 8% das ações do MPF de combate ao desmatamento na Amazônia resultaram em punições, entre 2017 e 2020. 

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Foto: Felipe Werneck

Em 24h, área desmatada foi equivalente a milhares de campos de futebol 

Em 2021, a data com maior índice de desmatamento na Amazônia foi 11 de julho, quando houve a derrubada de 4.143 hectares em 24h, ou seja, o equivalente a mais de 4 mil campos de futebol. 

De acordo com Larissa Amorim, do Imazon,”as taxas de desmatamento são maiores neste período (do “verão amazônico”) porque, além de ser mais ‘fácil’ desmatar na estação mais seca, a detecção do desmatamento por meio de imagens de satélite também é prejudicada no período de chuvas devido à presença das nuvens”.

Veja, abaixo, dados que comprovam ser a Amazônia o bioma que mais perdeu vegetação nativa em 2021:

  • Mais de 977 mil hectares de vegetação nativa destruídos;
  • Crescimento de quase 15% em relação aos 851 mil hectares desmatados em 2020 que, por sua vez, já haviam representado um aumento de 10% em relação aos 771 mil hectares de desmate, em 2019.

Fonte: MapBiomas - Relatório Anual de Desmatamento

Estados com maior desmatamento no Brasil/ Números em hectares (ha)
Pará402.492 ha (24,3% do total)
Amazonas194.485 ha (11,8% do total)
Mato Grosso189.880 ha (11,5%)
Maranhão167.047 ha (10,1%)
Bahia152.098 ha (9,2%)

Fonte: MapBiomas - Relatório Anual de Desmatamento

Os dez municípios com maior desmatamento estão na Amazônia/ Números em hectares (ha)
Altamira (PA)63.840 haApuí (AM)35.448 ha
São Félix do Xingu (PA)52.701 haItaituba (PA)30.174 ha
Lábrea (AM)49.345 ha Coiniza (MT) 22.656 ha
Porto Velho (RO)49.173 haPortel (PA) 21.565 ha
Novo Progresso (PA)37.229 haHumaitá (AM) 18.309 ha

Fonte: MapBiomas - Relatório Anual de Desmatamento