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CIÊNCIA

Quando o perigo está no alimento

Pesquisadores buscam identificar causas da Síndrome de Haff, doença transmitida por toxina ingerida a partir de alguns tipos de peixe, que tem aumentado na Amazônia

Ândria Almeida | Alice Martins

14/12/2022

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Everaldo chegou a ser hospitalizado e se recuperou sem sequelas, mas perdeu o irmão para a Síndrome de Haff - Foto: Ândria Almeida

A base alimentar de muitas comunidades na Amazônia, seja na região rural ou urbana, está nos peixes regionais. Esse é um motivo que explica também a concentração de casos da chamada “doença da urina preta”, a Síndrome de Haff, uma  doença rara não-genética, infecciosa, transmitida pela toxina ingerida a partir de alguns peixes, mesmo que cozidos. Até o momento, ainda não existe uma lista fechada de espécies do animal mais propensas a transmitir a doença, variando as incidências em cada local. A síndrome, identificada em 1924, quase um século atrás, na Europa, foi pela primeira vez identificada no Brasil em 2008, no estado do Amazonas, e, desde então, esporadicamente, se destacam surtos de casos pela região.

O quadro clínico se caracteriza por dor aguda, generalizada e intensa e pela urina escura, como foi o caso de Everaldo Paz do Nascimento Santana, de 38 anos, morador da comunidade do Amapá, cidade de Belterra, localizada na região metropolitana de Santarém, oeste do Pará. Ele teve os sintomas da síndrome de Haff em 17 de setembro deste ano, após o consumo do peixe da espécie pacu. Everaldo chegou a ser hospitalizado e se recuperou sem sequelas, mas perdeu o irmão, que, segundo o laudo do atestado de óbito, foi vítima da síndrome.

Everaldo conta que, três horas após o consumo do pescado, começou a sentir uma dor na região cervical. Na sequência, relata ter sentido dormência no braço direito e, posteriormente, no braço esquerdo. “Quando percebi que isso não era normal, procurei o hospital de Belterra. Lá eu recebi vários medicamentos para baixar a pressão e para tentar aliviar a dor e nada adiantava, permaneci internado até o dia 18, por volta das 9h30”, conta ele.

Depois de receber alta médica, ainda sentindo alguns sintomas, Everaldo lembra que não relacionou o ocorrido ao consumo do peixe. Por esse motivo, o irmão dele consumiu no domingo de manhã um pedaço do rabo do Pacu que estava armazenado na geladeira.

“Meu irmão não estava em casa no sábado quando comi peixe, ele chegou no domingo e comeu só um pedaço do rabo. Aí meu irmão já foi para o hospital com sintomas que se agravaram muito rápido, além das fortes dores em todo o corpo, ele não conseguia mais respirar, já foi direto para o balão de oxigênio, até morfina aplicaram nele e não passou a dor”, lembrou.

Edivaldo do Nascimento Melo, de 52 anos, irmão de Everaldo, ficou internado por oito dias e faleceu no dia 25 de setembro. No entanto, os sintomas apresentados pelo irmão só foram relacionados à síndrome de Haff na segunda-feira (19), quando a fiscalização sanitária esteve no Hospital de Belterra e conversou com Everaldo sobre a alta no número de casos no município.

“Até então, eu não sabia que isso estava acontecendo novamente na cidade. Infelizmente, fiquei sabendo pela agente da vigilância sanitária de Santarém. Ela me contou sobre o aumento dos casos. Se eu tivesse ciência disso, eu jamais teria consumido o peixe”, destaca.

Everaldo lembra que depois da urina do irmão ficar preta, ele foi transferido para o Hospital Municipal de Santarém e, posteriormente, para o Hospital Regional do Baixo Amazonas, onde morreu.

Na certidão de óbito de Edivaldo, consta uma sequência de causa da morte: Choque Circulatório, hemorragia digestiva alta, coagulação intravascular disseminada, Síndrome de Haff.

Diagnóstico em alta desde 2021

No final de 2021, houve um aumento significativo de diagnósticos no país, em especial na Amazônia, com um surto de contágio, principalmente pela ingestão de peixes como da espécie Tambaqui. De acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, dos 132 casos compatíveis daquele ano, 106 foram na Amazônia (77 no Amazonas, 25 no Pará e 4 no Amapá).

Este ano, no último semestre, novamente um surto. Até novembro, foram notificados 79 casos suspeitos de doença de Haff no Pará, sendo 13 no município de Santarém, além de 110 casos compatíveis com a doença no Amazonas e 17 no Amapá.

Estudos ainda não conseguiram identificar causas da doença

De acordo com a  Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas Dra. Rosemary Costa Pinto, (FVS-RCP),  a doença da Urina Preta é uma síndrome ainda sem causa definida, caracterizada por uma condição clínica que desencadeia o quadro de rabdomiólise (degradação do tecido muscular que libera uma proteína prejudicial no sangue) com início súbito de rigidez, dores musculares e urina escura. As espécies de peixes mais relacionadas aos casos compatíveis com a doença de Haff no Amazonas são: pacu, tambaqui e pirapitinga. Ainda se investiga qual a relação entre as espécies e a toxina que é transmitida.

"Há um grupo de trabalho de investigação da doença composto por várias instituições estaduais, incluindo a FVS-RCP.  Ainda não há conclusões sobre os estudos para a Doença de Haff no Brasil que evidenciem causas e medidas de prevenção contra a doença", informou a Fundação, em nota.

Enquanto a Ciência ainda busca respostas sobre a doença, as indicações da área de saúde, no momento, são para que, tão logo os sintomas se manifestem, a pessoa procure a unidade de saúde mais próxima e tome bastante água até receber o atendimento. Uma das consequências da síndrome é levar a casos graves de desidratação e insuficiência renal, por isso é importante ter esse cuidado.

A Secretária de Saúde do Estado do Pará, SESPA, explica ainda que não existem exames que confirmem a doença, então, o diagnóstico ainda é feito por exclusão de possibilidades e pelos sintomas apresentados pelo paciente.