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OPINIÃO

Monitorar desmatamento não é suficiente

Doutora em Ecologia, Pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, co-fundadora da Rede Amazônia Sustentável (RAS), professora da pós-graduação na Universidade Federal do Pará e membro do Painel Científico para a Amazônia.

Joice Ferreira

03/02/2023

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Foto: reprodução da capa da revista

Uma encruzilhada. A floresta de um verde chamativo se situava em um quadrante no topo. Os três outros quadrantes eram de terra nua, desmatada.  Essa imagem de grande impacto visual foi a capa da prestigiosa revista Science  (em inglês) da semana passada que trazia dois artigos sobre a região amazônica. O foco de um deles era justamente sobre aquele solitário pedaço verde.

Nos desmatamentos, a floresta deixa de ser floresta. Na degradação, ao contrário. Aquela floresta da fotografia permanece, porém, sua condição é afetada. Podem ser mudanças no estoque de carbono, nas espécies, na umidade local e ainda nas relações das pessoas com a floresta, entre muitas outras. Há vários fatores que causam a degradação, mas os principais são fogo, extração de madeira, fragmentação das florestas que criam bordas e ainda as secas extremas que tem se intensificado com as mudanças climáticas.

Há tempos, chamamos atenção para a degradação das florestas amazônicas. Cientistas que aqui chegaram antes de nós também. Porém, esse sempre foi um problema críptico, sutil e mais complexo para monitorar, quando comparado aos desmatamentos. As condições para investigar a degradação tem melhorado com avanços nas ferramentas de sensoriamento remoto e a criação de plataformas de monitoramento de uso da terra.

O artigo da Science, por exemplo, foi fruto de um extenso processo de análise de sensoriamento remoto, síntese de dados coletados no chão e discussões do grupo de cientistas que trabalham há décadas na região. Essas discussões avançaram a partir de um evento para o qual fomos convidados em Manaus. Nele, sintetizou-se os conhecimentos atuais sobre os diversos fatores que causam a degradação florestal, os seus impactos, o que se espera para as próximas décadas e as intervenções necessárias para solucionar o problema.

A área da floresta que já sofreu com algum dos distúrbios, seja fogo, fragmentação ou extração de madeira (364.748Km2) corresponde a mais que a área desmatada (112%). Se adicionarmos as secas extremas, cerca de 38% da Amazônia já foi atingida por alguma forma de degradação. Não é apenas uma questão de área atingida, seus impactos somados atingem grande proporção. As perdas de carbono e de biodiversidade resultantes da degradação são comparáveis às perdas pelos desmatamentos. A alteração no funcionamento das florestas degradadas promove redução de até um terço na evapotranspiração das florestas, o que significa um impacto significativo na produção de chuvas.

A degradação das florestas impacta quem está perto e quem está longe. Ela traz não apenas perdas materiais, que afetam a subsistência, como fonte de alimentos e outros recursos florestais, mas a perda de qualidade de vida para as comunidades locais e tradicionais. Violência, desnutrição, impactos na saúde e educação aumentam com a degradação dos ecossistemas. O bem-estar das pessoas pode ainda ser comprometido pela percepção de risco e perda de conexão com o lugar onde vivem. É o que estamos testemunhando frente às recentes revelações da situação dos povos Yanomamis.

A degradação não é simplesmente uma rota que vai levar aos desmatamentos. Cerca de 86% das florestas amazônicas degradadas continuaram existindo nas últimas décadas, segundo outro estudo. Portanto, ela pode e deve ser tratada com políticas de combate específicas. Estamos na tal encruzilhada retratada pela Science e precisamos encontrar soluções antes que seja tarde demais.