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OPINIÃO

Nova lei da União Europeia e o desmatamento zero na Amazônia

Doutora em Ecologia, Pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, co-fundadora da Rede Amazônia Sustentável (RAS), professora da pós-graduação na Universidade Federal do Pará e membro do Painel Científico para a Amazônia.

Joice Ferreira

20/01/2023

Neste início de 2023, testemunhamos mudanças importantes na direção da maior proteção dos ecossistemas brasileiros e, em particular, da Amazônia. Essas incluem a retomada do Plano de Combate ao Desmatamento (PPCDAm) e do comitê orientador do Fundo Amazônia, pelo governo brasileiro, dentre várias outras. Ações desse tipo estão em harmonia com o primeiro discurso do atual presidente que se comprometeu com a adoção de uma política de desmatamento zero da Amazônia e de emissão zero de gases de efeito estufa.

O caminho é longo e árduo, mas ecoa uma agenda global que visa aumentar a sustentabilidade da produção agropecuária e florestal e garantir a nossa continuidade neste Planeta. Nessa direção, uma lei aprovada em dezembro último, e em fase de finalização, promete ser um marco para a mitigação das mudanças climáticas e a proteção da biodiversidade global. A União Europeia (UE) se comprometeu a banir a importação de produtos relacionados ao desmatamento e à degradação de ecossistemas florestais, em qualquer parte do globo. Isso significa que não serão aceitos, por seus membros, produtos provenientes de áreas desmatadas (ou degradadas) após 31 de dezembro de 2020, mesmo que a supressão seja considerada legal no contexto do país de origem.

A lei terá impacto direto na Amazônia, uma vez que diversos produtos produzidos na região ficarão sujeitos ao rastreamento, como a soja, a madeira e a carne bovina. Na prática, as empresas exportadoras deverão rastrear os produtos desde a sua origem e assim comprovar que não houve desmatamento associado à sua produção, além da degradação das florestas, que normalmente ocorre por queimadas ou exploração de madeira. O Brasil, por ser classificado como um país de alto risco de desmatamento, estará entre aqueles submetidos a um monitoramento mais rigoroso.

Medidas como essa lei da UE têm grande potencial de produzir mudanças significativas para uma produção agropecuária e florestal mais sustentável, em consonância com as políticas nacionais. Um estudo publicado na revista Science (em inglês), no ano passado, realizou uma boa radiografia do impacto das emissões globais em consequência do comércio internacional de commodities. Cerca de 30% das terras agrícolas brasileiras são destinadas para a exportação de produtos. O Brasil figurou como o maior exportador global de emissões relacionadas às mudanças de uso da terra, que foram estimadas em 917 milhões de toneladas de CO2-eq para o ano de 2017.

De acordo com o mesmo estudo, 22% das terras agrícolas mundiais e 27% das emissões por uso da terra estão relacionadas a produtos consumidos em uma região diferente do seu local de produção. Esse dado levanta, portanto, uma questão crucial: grande parte das emissões são realizadas por países em desenvolvimento e riquíssimos em biodiversidade, como é o caso do Brasil (em inglês), para exportar produtos para países economicamente mais ricos e industrializados, como a Europa. Se, por um lado, as regulamentações internacionais são importantes aliadas das medidas nacionais para consolidar uma produção agropecuária e florestal mais sustentável, por outro, abrem questões éticas importantes.  A transição destes setores econômicos necessita ser realizada com amplo suporte da comunidade internacional, em particular dos países que contribuem para as emissões das regiões em desenvolvimento como a Amazônia brasileira.