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ESPECIAL

Desenvolvimento da região amazônica é foco de startups

Empresas de base tecnológica criam ferramentas inovadoras para preservar recursos naturais e matérias-primas da floresta

Elisa Vaz

20/06/2022

O Brasil tem evoluído no número de empresas de base tecnológica, as chamadas “startups”, que buscam, por meio da tecnologia e do empreendedorismo, ferramentas inovadoras que desenvolvam a sociedade de alguma forma. Para detalhar o assunto e mostrar a importância dessas empresas para o país e para a Amazônia, o Liberal Amazon desta semana e da próxima traz reportagens especiais sobre o tema.

Dados da Associação Brasileira de Startups apontam que, de 2015 até 2019, o número saltou de cerca de 4.100 para 12.700 dessas iniciativas criadas, representando um aumento de 207%. Hoje, o país tem 14.065 startups distribuídas em 78 comunidades e 710 cidades brasileiras. Entre essas iniciativas, 9% das brasileiras são voltadas para a educação, 7% direcionadas para outros serviços, 6% para finanças e 5% para saúde e bem-estar.

Desta forma, o Brasil segue em 20º lugar no ranking mundial de startups, e isso significa um grande avanço no mercado nacional, segundo especialistas. Com a crescente preocupação em relação à preservação do meio ambiente e dos recursos naturais disponibilizados pelas florestas, a Amazônia tem sido o foco de muitos desses times, e empreendedores sociais locais tentam contribuir por meio da tecnologia e com um enorme diferencial: são da região e conhecem bem, vivendo, os desafios para encontrar as soluções para a região.

Atuando desde 2019 no Pará, a associação Açaí Valley tem o objetivo de reunir essas ideias empreendedoras e possui, aproximadamente, 200 startups mapeadas hoje, com oito diretores e cerca de 420 participantes. O Grupo Liberal, inclusive, firmou parceria com a associação para fomentar ainda mais a inovação na região, com foco na integração com mercado, investidores e soluções de startups.

O presidente da Açaí Valley, Antônio Corrêa, lembra que a necessidade de criar a associação surgiu a partir da quantidade de pessoas que sentiam vontade de discutir sobre inovação e empreendedorismo e trabalhar com startups.

"Quando falamos em ideias sustentáveis, falamos em consumo e consumidores conscientes" - Antônio Corrêa, presidente da Açaí Valley

“Atuamos como um grande hub que conecta vários atores do ecossistema. Temos alguns programas pontuais de mentorias de pitch (apresentação e venda de startups) e, principalmente, estamos como comunidade sempre dispostos a ajudar as startups que demandam. Sobre posicionamento, temos várias parcerias com iniciativas focada em investimento, desde aceleradoras da própria região até investidores e programas de conexão com grandes empresas (comumente chamados de Open Innovation)”, comenta.

Na Amazônia, há grandes desafios, segundo Antônio, principalmente em preparar possíveis investidores, em sua maioria empresários, para que tenham maior aptidão ao risco para investir em iniciativas que estejam em fase inicial de negócios promissores. Para ele, é de “total importância” a criação de ideias sustentáveis que valorizem os produtos e a cultura da região. “Quando falamos em ideias sustentáveis, falamos em consumo e consumidores conscientes, ou seja, envolve a busca por produtos e serviços ecologicamente corretos e que se preocupam com a sociedade atual. Temos gente brilhante em nossa região que já possui destaque nacional e internacional”, avalia.

Game e neurolinguística para aprender matemática

Um dos projetos que fazem parte e são incentivados pelo Açaí Valley é a Inteceleri Tecnologia para Educação, uma startup que nasceu em 2014 na capital paraense, criada por um grupo de pesquisadores e professores que identificou baixo desempenho dos alunos na educação básica, principalmente em matemática – apenas 5% aprenderam o adequado da disciplina, de acordo com o estudo. Diante do cenário, que reflete o nacional, já que apenas 15% aprenderam o adequado, os estudiosos foram em busca de soluções inovadoras e acessíveis para os alunos paraenses.

 

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Inteceleri Tecnologia para Educação

Daí nasceu uma metodologia inédita chamada “Matematicando”, em aplicativo e livro, que tinha o objetivo de ensinar as operações básicas de matemática utilizando a cor como gatilho de memória e atividades neurolinguísticas em ambiente de gamificação, um jogo educativo digital. Ao final de um ano de atuação, foram atingidos mais 100 mil usuários. Em 2015, os empreendedores se tornaram Partner Google for Education e tiveram uma expansão no negócio por meio da implantação da plataforma, contribuindo também em outras áreas do conhecimento.

O grupo também desenvolveu, em 2018, um aplicativo chamado “Geometricando”, para ajudar no aprendizado de geometria, utilizando experiências de realidade virtual para reconhecer formas geométricas regulares. Como era necessário um celular e um óculos de realidade virtual e isto era algo distante do ambiente educacional dos alunos, foi criada uma alternativa acessível: houve o desenvolvimento de um óculos de realidade virtual, o Miritiboard VR, feito da fibra de uma palmeira abundante na floresta amazônica e manejada de forma 100% sustentável, produzido nas comunidades locais de Abaetetuba, município paraense.

"A educação é o caminho do desenvolvimento de qualquer região, isso não é uma descoberta recente" - Walter dos Santos Oliveira Júnior, sócio-diretor da Edu Tech Amazon, professor e engenheiro de computação

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Inteceleri Tecnologia para Educação

Além disso, em 2020, com a pandemia e o consequente isolamento social, a Inteceleri apoiou mais de 25 instituições com plano emergencial de implantação de educação online e remota, além de compartilhar parte do material para ajudar professores e alunos de todo o Brasil. Mais recentemente foi criado o Laboratório Móvel Maker Miritiboard VR para proporcionar uma experiência mais intensa da cultura de aprender fazendo, e já são mais de 4 mil usuários utilizando a criação.

“Hoje, com mais de sete anos de existência, já impactamos mais de 400 mil alunos e professores pelo projeto que agora é chamado de ‘EduTech Amazon: Inovações que nascem da floresta’, composto por todos os nossos produtos e serviços de tecnologia para educação. Já estamos presentes no Pará, Amapá, Ceará, Maranhão e São Paulo, expandindo para mais sete estados do Brasil. Esperamos, até o final deste ano, atingir a marca de 500 mil pessoas impactadas pelo projeto e, assim, contribuir com a aceleração do processo de ensino e aprendizado no Brasil”, adianta o sócio-diretor da organização, professor e engenheiro de computação Walter dos Santos Oliveira Júnior. O time é formado por 20 colaboradores, entre especialistas e mestres em tecnologia para educação.

“Queremos que a nossa gente aprenda a desenvolver essas ferramentas, modelagem, braços robóticos, que essa produção tenha escala maior. Já fazemos isso com a comunidade local, levando a tecnologia para dentro da floresta sem destruir a floresta. Temos a pretensão de estar presente em todo o país, América Latina e talvez no mundo inteiro, contribuindo de forma simples e inteligente, fazendo coisas que estão alinhadas com o novo ciclo da economia, que é manter a floresta em pé, ser sustentável e ser racional no uso dos recursos naturais”, explica o pesquisador.

Base regional para soluções inovadoras

Também com a “cara” da Amazônia, a startup Ver-o-Fruto atua na área de bioeconomia circular. O grupo de empreendedoras, cujos primeiros passos foram dados em 2019, trabalha o beneficiamento do resíduo do açaí, transformando-o em um novo produto. Por meio desta metodologia, foi criado um sabonete facial para pele mista ou oleosa. Mas um dos propósitos das duas sócias, Ingrid Teles e Aline Chelfo, é o de levar um pequeno sistema de tratamento de água para ilhas próximas a Belém. Para dar os primeiros passos rumo à esta realização, agora em 2022 a startup tem proposta de que, a cada sabonete vendido, será destinado R$ 1 para um sistema de tratamento de água.

“O projeto nasceu a partir de dois incômodos: a quantidade de resíduos de açaí e manga nas calçadas da nossa cidade e a curiosidade para entender a qualidade da água à qual os ribeirinhos têm acesso. A partir disso, pensamos e trabalhamos para transformar um problema na solução do outro”, enfatiza Ingrid, que é fundadora e CEO da startup e engenheira de produção. “Durante nossos primeiros passos, precisamos pivotar o projeto inicial de levar o sistema de tratamento de água para as ilhas, pois ainda não tínhamos nada. Foi a partir daí que reformulamos o projeto e identificamos um mercado para iniciar, para depois darmos continuidade ao sistema de tratamento de água. A importância do nosso trabalho está em desenvolver soluções a partir do que já temos no meio. Nossa startup vem para buscar soluções para a sociedade a partir de um novo olhar para os resíduos”, comenta a sócia.

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Ingrid Teles, criadora de sabonete

O processo desenvolvido pelo Ver-o-Fruto traz um diferencial para a região amazônica, na opinião de Ingrid, porque a iniciativa consegue trabalhar o beneficiamento do resíduo de uma maneira que o transforma em matéria prima, o que é possível ser feito em várias cadeias de produção, tudo isso a partir da transformação, sem extração. Dessa maneira, as sócias buscam contribuir para manter a floresta em pé. A importância de se criar iniciativas sustentáveis, para ela, é que hoje há muitos produtos à disposição para serem transformados.

“O que falta para que mais ideias tenham sucesso é saber trabalhar toda pesquisa desenvolvida e saber comunicar a mesma para o mercado. Hoje temos editais, como o do Startup Pará, que vem para auxiliar a pessoa que tem uma ideia e quer iniciar no mercado. É muito bom estar atento a essas oportunidades. No Açaí Valley estamos próximas de todo mundo que está buscando o melhor para a nossa região quando falamos de desenvolvimento. Todos os contatos realizados vêm para somar e todos estão sempre dispostos a colaborar”, enfatiza.

Outra startup que busca o desenvolvimento da região é a Ondrone, que desenvolve soluções completas e seguras utilizando a tecnologia dos drones e satélites, machine learning e visão computacional, visando à otimização dos recursos e manejo adequado para uma competitividade mais sustentável. Como empresa, ela surgiu em 2018 e, como startup, em 2019, ao ter o primeiro contato com o Açaí Valley. A Ondrone tem a ideia de criar soluções avançadas de agricultura de precisão na cultura do açaí para pequenos e médios agricultores e produtores, tornando as tomadas de decisões mais assertivas e contribuindo para a transformação digital, reestruturação de processos e indicando um so mais consciente de recursos que estejam em conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e aplicação de Ambiental, Social e Governança (ASG).

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Leonardo Mártyres, do Projeto Ondrone

Atualmente, o time engloba quatro pessoas. De acordo com o fundador e CEO da Ondrone, Leonardo Mártyres, que é formado em direito e cursa MBA em geociências e geotecnologias e gestão do agronegócio, conforme alguns serviços pontuais iam sendo realizados, foi percebida a carência e a oportunidade que existia no agronegócio que abrange a mineração, meio ambiente e bioeconomia, em ter tecnologias que possibilitem otimizar o processo produtivo e gerencial. “Com certeza há potencial no que fazemos, o modelo de produção mudou, e nós ajudamos na implementação de uma nova cultura organizacional: a produção consciente e mais sustentável. Desenhamos um modelo de negócio escalável, que pode ser replicável a outras culturas tropicais”, diz.

O diferencial, segundo ele, é trabalhar com o melhor da região, podendo, desta forma, contribuir com o desenvolvimento local e regional no que tange ao desenvolvimento sustentável e produção otimizada, ou seja, produzir mais utilizando menos recursos, principalmente os naturais. A importância da ação é total, na avaliação de Leonardo. “Teremos uma produção consciente, o que cria uma conscientização para as empresas de que a própria sustentabilidade empresarial depende da adoção e aplicação de práticas ambientais, sociais e de governança”, afirma.

Um dos empecilhos para que mais ideias como essa tenham sucesso, de acordo com o CEO, é a tradicional burocracia e a dificuldade de créditos para quem está começando. Ele orienta que o primeiro passo é ter uma equipe comprometida com a ideia, entender a viabilidade e validade dela no mercado e trocar experiências para conhecer os obstáculos e obter dicas para o negócio. O segundo passo é buscar investimentos, seja próprio, de amigos ou parentes, de investidores anjos ou em programas de aceleração para fases iniciais. Por fim, a orientação é aprender com os erros e consertar rapidamente.