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FINANCIAMENTO VERDE

Pará investe em recuperação florestal

TFFF - Fundo Florestas Tropicais para Sempre, lançado durante a Cúpula dos Líderes, em Belém, promete impulsionar recursos para conservação e restauração de áreas florestais do País e da Amazônia

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

16/11/2025

Um dos temas que vem sendo debatido não apenas atualmente durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), em Belém, mas também ao longo de COPs anteriores, é a eliminação do desmatamento no mundo. Durante a COP 26, realizada em Glasgow, na Escócia, em 2021, os países participantes concordaram em deter e reverter a perda florestal até 2030.


Durante a Cúpula dos Líderes, realizada nos últimos dias 6 e 7, antecedendo o período da COP 30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou a iniciativa Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), que pretende remunerar países que conservarem ou restaurarem suas florestas tropicais ou subtropicais úmidas. Esses biomas são fundamentais para o sequestro de carbono da atmosfera, enquanto seu desmatamento contribui para o aumento dos gases do efeito estufa que causam o aquecimento global. 


Contudo, além de conter o desmatamento, é necessário também reflorestar áreas já degradadas pela ação humana, aumentando a cobertura vegetal na região. Uma pesquisa da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) Amazônia Oriental pretende apontar o mapa do caminho para esse tipo de atividade, no Pará.

 

PRIORIDADES

 

O projeto “O processo de reordenamento da paisagem produtiva sustentável via cultivos agrícolas perenes: uma transição à bioeconomia”, coordenado pelo agrônomo e pesquisador da Embrapa Adriano Venturieri e financiado pela Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), aponta áreas prioritárias para restauração florestal produtiva, bem como as atividades melhor se adequam a cada território.


“Eu trabalhei com foco no Pará, considerando regiões de integração e municípios. As propostas de restauração são diferentes para cada local. Por exemplo, as áreas do nordeste paraense são diferentes das do sudeste paraense, assim como as da Transamazônica, porque foram processos de ocupação diferentes e são solos diferentes e populações diferentes. Por isso, as soluções têm que ser diferentes”, ressalta.


De acordo com o especialista, a ideia foi responder algumas perguntas para apoiar políticas públicas na transição para a bioeconomia. “Buscamos, assim, entender onde são as áreas alteradas, como estão sendo utilizadas e qual a melhor aptidão para elas. E isso sempre considerando quem está no campo, o produtor, o que ele tem interesse em fazer. Não adianta pensar essas políticas apenas em Brasília ou na ONU [Organização das Nações Unidas]”, completa.

 

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Pesquisa de Adriano Venturieri aponta áreas prioritárias para restauração florestal produtiva, bem como as atividades melhor se adequam a cada território (Foto: Ivan Duarte/O Liberal)

PROCESSO

 

Para chegar aos resultados, a pesquisa considerou informações espaciais geradas por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a própria Embrapa e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Áreas de dez municípios paraenses de diversas regiões foram analisadas. “Trabalhamos com os dados de desmatamento, para responder quanto há, onde ele está e como esses espaços são utilizados, com dados de aptidão agrícola, data do desmatamento e outras variáveis. A gente tem o entendimento de que não precisa mais haver desmatamento”, declara Venturieri.

Trajetórias diferentes, resultados próximos

 

A partir dos dados coletados, foram traçados diferentes cenários possíveis para levar à restauração. “As trajetórias podem ser diferentes, mas a gente espera resultados finais muito próximos. Isso vai depender do tomador de decisão das políticas públicas e também do produtor. Conversei com muitos deles e alguns não têm interesse nas atividades propostas. Uma produtora, por exemplo, disse que quer sua propriedade como um parque muito bonito, cheio de boi. É a visão dela e de muitas pessoas, de que plantar é mais complicado, por isso preferem trabalhar com boi. Já outros produtores têm interesse, mas precisam de informações, assistência técnica, saber o que podem produzir e como. Para implantar sistemas agroflorestais, por exemplo, é preciso saber fazer, precisa de mão de obra, não só em quantidade, mas qualificada”, argumenta o agrônomo Adriano Venturieri.


Segundo Venturieri, há, no Pará, grandes áreas alteradas que podem ser convertidas. “Os dados mostram, por exemplo, quanto há de pastagem que pode ser convertido em sistema agroflorestal (SAF) ou quanto pode ser deixado para restauração natural, ou ainda convertido em sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). No sul do estado, por exemplo, a pecuária é muito forte, uma tradição. Então, falamos muito da solução que engloba o componente da pecuária, como a ILPF. Já no nordeste paraense, em municípios como Moju ou Tomé-Açu, o sistema agroflorestal é mais forte, então as políticas públicas podem incentivar isso”, destaca.

 

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A implementação de sistemas agroflorestais (SAFs) é um dos caminhos possíveis para a restauração (Foto: Ascom Embrapa)

RENDA

 

Os benefícios ambientais da restauração dessas áreas, de forma produtiva, são muitos, como a proteção do solo, da água, ampliação da biodiversidade, captação do carbono da atmosfera. Mas, para Venturieri, a geração de renda é fundamental. “A gente entende que uma das causas da degradação da paisagem é a fome. As pessoas precisam comer, precisam produzir. Quando você incentiva essa restauração produtiva, tem os benefícios ecossistêmicos, mas também gera renda para o produtor, que é o mais importante”, pontua.

Plano estadual mira restauração

 

Durante a COP 28, em Dubai, em 2023, o governo do Pará lançou o Plano Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa (PRVN). A meta da iniciativa é restaurar 5,6 milhões de hectares em reflorestamento. Na COP 29, em Baku, no ano passado, foi anunciado um dos instrumentos para concretizar o plano de restauração: a concessão da Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu (URTX), em Altamira, no sudoeste do estado.


A URTX é um projeto-piloto, que concedeu a área para a empresa Systemica. O contrato foi assinado em julho deste ano e prevê 40 anos de uso, com a recuperação de 10,3 mil hectares de uma parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, que terá como resultado o sequestro de 3,7 milhões de toneladas de carbono da atmosfera. O investimento estimado é de R$ 258 milhões, com expectativa de gerar uma receita total de R$ 869 milhões, além de criar aproximadamente dois mil empregos na região.

AVANÇO

 

De acordo com Raul Protázio Romão, secretário de Estado de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade do Pará, o governo estadual avança na criação e implementação do Programa de Concessões para Restauração, no âmbito do PRVN. 

 

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De acordo com Raul Protázio Romão, secretário de Estado de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade do Pará, o governo estadual promove a restauração florestal em larga escala, por meio da concessão de áreas a empresas, que se responsabilizam pelas ações de recuperação (Foto: Reprodução/Instagram)

 

“Queremos promover a restauração florestal em larga escala, contando com o apoio do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] e do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para a estruturação das novas Unidades de Restauração. Estima-se que a próxima área a ser destinada para restauração conte com o plantio de 4 milhões de mudas e restauração de 15,7 mil hectares, resultando na remoção de 4,2 milhões de toneladas de carbono em 40 anos. Estão previstos R$ 256 milhões em investimentos, seis mil empregos diretos e indiretos, receita total de R$ 1,125 bilhão e lucro líquido estimado de R$ 621 milhões, com retorno do capital em 14,5 anos, consolidando o Pará como pioneiro em concessões voltadas à restauração florestal sustentável”, adianta o gestor.

TFFF deve turbinar recursos

 

O Fundo Florestas Tropicais para Sempre, proposto pelo governo brasileiro durante a Cúpula dos Líderes e endossado por 53 países de todos os continentes durante a declaração de lançamento, promete turbinar os recursos disponíveis tanto para a conservação das florestas quanto para sua restauração, inclusive na região amazônica. 
De acordo com o presidente Lula, durante o discurso de lançamento, os serviços ecossistêmicos que as florestas prestam para a humanidade precisam ser remunerados, assim como as pessoas que as protegem. 


“Os fundos verdes e climáticos internacionais não estão à altura dos desafios que a mudança climática nos coloca. Foi com esse senso de urgência que, desde a COP 28, reunimos um grupo de países de florestas tropicais e países investidores para desenhar esse mecanismo. Contamos com o apoio de organizações internacionais e da sociedade civil. O TFFF não é baseado em doação. Seu papel será complementar aos mecanismos que pagam pela redução de emissões de gases de efeito estufa. Investimentos soberanos de países desenvolvidos e em desenvolvimento vão alavancar um fundo de capital misto. O portfólio vai se diversificar em ações e títulos. Os lucros gerados serão repartidos entre os países de florestas tropicais e os investidores. Os recursos irão diretamente para os governos nacionais, que poderão garantir programas soberanos de longo prazo”, detalhou o presidente brasileiro.

 

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O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) foi lançado pelo governo brasileiro durante a Cúpula dos Líderes, em Belém (Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

Renda fixa garante investimento

 

Garo Batmanian, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, explica a diferença da proposta do TFFF para os demais fundos ambientais. “Será um fundo de investimentos como há nos bancos comerciais. É um fundo de renda fixa. Então, o dinheiro não é apenas doação, é investimento. Nós investimos no fundo e o fundo paga de volta a taxa de juros que a gente acordar. Por exemplo, digamos que a gente coloque, com a contribuição dos países, US$ 25 bilhões. Isso alavanca US$ 100 bilhões do mercado privado e nós teremos US$ 125 bilhões para usar”, esclarece.


O Brasil foi o primeiro a anunciar o investimento de US$ 1 bilhão. Até o dia do lançamento, foram confirmados mais de US$ 5,5 bilhões para a iniciativa: além do Brasil, se comprometeram a Noruega, com US$ 3 bilhões para os próximos dez anos; a Indonésia, com US$ 1 bilhão; a França, com US$ 577 milhões até 2030; e Portugal, com US$ 1 milhão.

CRITÉRIOS

 

Ao todo, 73 países em desenvolvimento podem vir a se beneficiar do fundo, desde que cumpram os critérios exigidos. Cada país deve receber até 4 dólares por hectare de floresta tropical preservada. “Todos os países que têm floresta tropical ou subtropical úmida podem fazer parte, se atenderem às condições de desempenho, começando pela condição de ter uma taxa de desmatamento abaixo da média mundial. O TFFF remunera os países que já controlam o sistema de desmatamento. Esses países continuam precisando de apoio para manter a taxa de desmatamento baixa ou até levar a zero. Serão países que precisam ter um planejamento de como usar o recurso. Porque, se ele não tem um plano, ele não conseguiu manter o desmatamento baixo”, avalia Batmanian.

 

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Garo Batmanian, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, explica a diferença da proposta do TFFF para os demais fundos ambientais. “Será um fundo de investimentos como há nos bancos comerciais. É um fundo de renda fixa. Então, o dinheiro não é apenas doação, é investimento.", diz. (Foto: Divulgação)


Os recursos vão diretamente para os governos nacionais, que decidirão como utilizá-los. Será possível, por exemplo, alocar os recursos em programas estaduais, como o paraense. O dinheiro poderá ser utilizado tanto para conservação da floresta nativa quanto para ações de restauração de áreas já modificadas.

COMUNIDADES

 

Porém, de acordo com as regras do fundo, 20% do total deverá ser destinado diretamente a comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, no caso brasileiro. “E serão eles que vão decidir como usar esses recursos, desde que voltados à conservação florestal ou uso sustentável dos recursos, como por meio da bioeconomia. Um ano após a entrada no fundo, deverá ser criado um mecanismo de governança para esses casos específicos das populações tradicionais”, destaca o diretor.


Para o pesquisador Adriano Venturieri, da Embrapa, o TFFF é uma boa notícia e pode ajudar na restauração produtiva que ele propõe. “Mas é preciso que esse dinheiro realmente chegue lá na ponta, para o produtor. Se o recurso não chega para ele fazer uma intervenção, fazer um SAF, restaurar uma área, nada vai mudar. É preciso ter políticas específicas para áreas de restauração e incentivar essas pessoas a fazerem isso”, conclui.
 

 

 

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