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TRANSPORTE

Rodovias do Norte em situação precária

Região tem a pior malha rodoviária do país. Buracos, afundamentos, falta de sinalização e uma longa lista de problemas marcam quase 80% das vias, colocando vidas em risco e gerando prejuízos. Estados de outras regiões que integram a Amazônia brasileira também apresentam necessidade urgente de investimentos

Alice Martins

19/08/2022

A região Norte, que concentra sete dos nove estados da Amazônia, tem 77,8% das rodovias em estado regular, ruim ou péssimo, de acordo com a Pesquisa de Rodovias de 2021 da Confederação Nacional do Transporte (CNT). A porcentagem indica que a maioria das rodovias pavimentadas está desgastada, com trincas, remendos, afundamentos, buracos ou totalmente destruída. O quantitativo representa uma realidade regional que traz diversos problemas para o desenvolvimento amazônico.

De acordo com a CNT, o transporte rodoviário é, ainda hoje, o principal modal utilizado no Brasil, responsável pela movimentação de mais de 60% da carga nacional. Mesmo assim, são muitos os desafios enfrentados, como você lerá nesta reportagem inicial da série do Liberal Amazon sobre desafios de logística para o transporte. Em três edições, abordaremos os desafios e potenciais de cada modal.

A Pesquisa de Rodovias analisa a situação atual e também aponta os prejuízos em consequência desse contexto, como os custos operacionais para a realização dos serviços de transporte, que são 40,4% maiores na região Norte, se comparados ao custo estimado, caso as rodovias estivessem em boas condições, considerando fatores como: despesas de manutenção do veículo, desgastes e troca de pneus e freios, maior demanda do motor e de consumo de combustíveis por quilômetro rodado. Além de pesar no bolso do setor, a condição atual das rodovias do Norte traz custos ambientais, como o desperdício de diesel e maiores emissões de gases poluentes. 

Segundo Elaine Radel, Gerente Executiva de Desenvolvimento do Transporte da CNT, a falta de infraestrutura nas rodovias também resulta em custos significativos para a competitividade no mercado de exportação. “Quando se compara com outros países com menores problemas de infraestrutura, o produto já chega no porto com um custo muito maior. Considerando que movimentamos mais de 60% da carga nacional nas rodovias, é preocupante ter uma malha rodoviária de tão baixa qualidade no país”, ressalta.

A indústria e o setor agropecuário são alguns dos mercados impactados pela condição precária. De acordo com o Superintendente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO), Gilberto Baptista, mesmo tendo tecnologia e alta capacidade de produção, o agronegócio perde espaço na competição internacional quando chega na etapa do transporte, por se deparar com uma logística mais complexa e perigosa. “Você tem rodovias caras para o transporte, assaltos recorrentes e muitos acidentes de trânsito. Isso traz um grande entrave para a economia e logística”, explica. 

Faltam acostamentos e dispositivos básicos de proteção

 

Além dos gastos financeiros e da maior emissão de gases poluentes, o estado atual das rodovias do Norte traz custos significativos para o sistema público de saúde, por conta da grande incidência de acidentes. 

Dentre os problemas percebidos pela pesquisa, está a sinalização: 76,3% da sinalização em toda a extensão da malha rodoviária da região são consideradas regulares, ruins ou péssimas. Além disso, falta acostamento apropriado em 56,1% dos trechos avaliados e 24,1% dos trechos com curvas perigosas não têm sinalização. “Os acostamentos e os dispositivos básicos de proteção (guarda-corpos ou barreiras de concreto) têm papel fundamental na segurança viária dessas estruturas, pois têm a função de impedir a queda do veículo desgovernado, absorver o choque lateral ou propiciar a recondução do veículo à faixa de tráfego”, ressalta o texto do relatório.

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Carro do engenheiro Marcelo Silva ficou destruído após acidente na BR-316, no Pará. Foto: arquivo pessoal

Família sofreu grave acidente no interior do Pará

 

Foi ao tentar buscar o acostamento para desviar de um buraco na rodovia que o engenheiro Marcelo Silva, 28 anos, enfrentou um grave acidente na estrada. Em março de 2021, ele estava acompanhado da irmã, a engenheira Mônica Silva, 21, e da esposa, a educadora física Isadora Bethânia, 33. A família se deslocava do município de Salinópolis, nordeste do Pará, rumo à capital do estado, Belém, para uma consulta médica de pré-natal de Isadora, que estava com quatro meses de gestação.

Ao passarem pelo quilômetro 55 da BR-316, próximo à ponte da vila de Apeú, em Castanhal, Marcelo percebeu um grande buraco na curva e, ao tentar desviar, deparou-se com o acostamento alagado e cheio de mato e lixo. “A água no acostamento batia nesses entulhos e escorria para a ‘BR’. Quando fui fazer a curva, o carro saiu do controle e derrapou. Ficou girando várias vezes até capotar”, recorda o engenheiro. Felizmente, todos tiveram apenas ferimentos leves. “Foi um milagre. Hoje, é um alívio muito grande pensar que estamos todos bem, seguindo com a vida, e inclusive minha filha está saudável, (o acidente) não teve nenhum impacto na gestação”, informa Marcelo.

Quase quatro mil mortos nas rodovias do Pará, em três anos

 

Segundo dados do Departamento de Trânsito do Estado (Detran/PA), o Pará, entre 2019 e 2021, aconteceram quase 88 mil acidentes, sendo que, deste quantitativo, quase 4 mil pessoas perderam a vida nas rodovias do Pará.

Por morar no interior do estado, no município de Santa Maria do Pará, o engenheiro Marcelo Silva, que escapou com a família do grave acidente no município paraense de Castanhal, tem o costume de dirigir nas rodovias do estado e relata já ter presenciado muitos acidentes. “Especialmente aqui, no interior do estado, também tem a questão de que muitos usam motocicletas. Então, às vezes, buracos que podem ser considerados menores acabam sendo fatais. Recentemente, vi um motociclista que foi desviar de um buraco e acabou colidindo com um caminhão e morreu. O perigo é constante”, diz. 

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Rodovias do Norte precisam de investimento  bilionário para ações emergenciais, manutenção e reconstrução. Foto: Divulgação

Região precisa de quase R$ 8 bilhões em investimentos 

 

A Pesquisa de Rodovias, da Confederação Nacional de Transportes, indica que o estado atual das rodovias da região Norte está em condição tão precária que seria necessário um investimento de aproximadamente R$ 7,8 bilhões para ações emergenciais, de manutenção e de reconstrução de vias. 

A falta de infraestrutura também pesa no bolso do consumidor final de diferentes produtos. De acordo com Everson Costa, técnico e pesquisador do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos do Pará (Dieese-Pa), os gastos excedentes com combustível, por exemplo, que estão entre os prejuízos decorrentes das más condições das rodovias, impactam no valor dos produtos que chegam aos supermercados. "Apesar da produção agrícola no Pará estar em constante crescimento, a maioria dos produtos da nossa cesta básica hoje ainda vem de fora, como o tomate e o arroz - que vêm de Goiás. E um dos fatores que impacta bastante é o preço do frete. Com estradas em más condições, o prazo de entrega estende e o gasto com combustível aumenta. Isso acaba pesando no valor final do produto", explica.

A reportagem do Liberal Amazon entrou em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT), órgão gestor e executor das rodovias federais, em busca de um posicionamento sobre a situação das rodovias da região Norte. Porém, não obteve retorno do órgão até o fechamento desta edição.

Solução passa pelo planejamento estratégico

 

Diretora de ciência do IPAM, Ane Alencar (Créditos_ Divulgação_IPAM).png
Ane Alencar, diretora de ciência do IPAM. Foto: divulgação, IPAM

A diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, fez parte de uma equipe de cinco países da região amazônica (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Peru), que analisou 75 projetos de novas rodovias. Ao avaliarem fatores como como estimativa de tráfego e investimento, perceberam que 45% desses projetos teriam um custo maior para construção e manutenção, do que o total de dividendos que poderiam gerar. 

O estudo foi publicado em 2020 na revista científica americana PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Segundo a diretora do IPAM, um dos pontos normalmente negligenciados nos projetos é o movimento migratório que emerge a partir da criação de uma nova rodovia, com famílias inteiras em busca de novos empregos e oportunidades de vida. “(Essa negligência) acaba gerando uma pressão nos serviços públicos, de saúde e educação, por exemplo, que as prefeituras vão precisar encontrar soluções para dar conta da demanda””, ressalta.

Atrelado a esse contexto da falta de planejamento, observado no estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), estão os impactos ambientais: derrubada desnecessária de florestas, aumento da emissão de gases poluentes e perda da biodiversidade local, que, juntos, também agravam problemas de saúde, clima e outros fatores que impactam diretamente na qualidade de vida da população. “Por isso, é preciso ter o planejamento estratégico desde a criação do projeto de uma nova rodovia até depois da pavimentação, acompanhando todo o processo de ocupação migratória, impactos socioambientais, de forma ordenada e com governança, para reduzir a pressão que essa estrada poderia causar nessas áreas”, conclui.

Integração de modais é necessária para todo o país

 

Para Ane Alencar, a saída para o desenvolvimento e melhoria no transporte na Amazônia também passa pela integração modal. “Antes de se construir uma hidrovia, uma rodovia, ferrovia, é preciso avaliar com muita profundidade o que já existe em uma região e que pode ser melhorado, quais são, de fato, os impactos positivos e negativos de cada tipo de transporte. A partir daí, desenvolver estratégias integradas e sustentáveis”, sintetiza.

A gerente da Confederação Nacional do Transporte, Elaine Radel, corrobora com essa avaliação. Com a integração modal no país, segundo ela, o mais adequado seria movimentar cargas mais pesadas, com maior distância e maior prazo de entrega, por ferrovias e hidrovias; cargas mais leves e com curta distância por rodovias, e produtos de maior valor agregado e menor prazo de entrega pelo modal aéreo. “Atualmente, todos os setores precisam de investimento”, pontua. 

Os demais modais (ferroviário, aquaviário e aéreo) também serão abordados com mais profundidade nas próximas reportagens do Liberal Amazon. Acompanhe nas próximas semanas.

CNT avaliou condiçoes das rodovias no Acre, entre elas a BR-364 que possui trechos péssimos Foto Reprodução Rede Amazônica Acre Arquivo.webp
Pesquisa da CNT também aponta para rodovias de todo o país encontradas em situação precária. Foto: reprodução, Rede Amazônica do Acre

No Acre, 100% das rodovias apresentam algum tipo de problema

 

O estado do Acre, que possui extensão territorial de 164.173,431km² (quase oito vezes menor que o estado do Pará, por exemplo), se destaca na Pesquisa de Rodovias da CNT por ter todas as rodovias classificadas entre regulares, ruins ou péssimas. Apenas para ações emergenciais, seria necessário um investimento de R$ 1,5 bilhão, de acordo com a pesquisa.

Em relação a acidentes, dados do Anuário da Polícia Rodoviária Federal mostram que ocorreram 255 acidentes em 2021 nas rodovias federais do Acre, com 22 mortes. Já nas estaduais, foram 413 acidentes em 2021, com 16 mortes, segundo informações da Polícia Militar do Acre. 

Precariedade também atinge rodovias de todo o país

 

Apesar de o Norte ser a região com o pior cenário rodoviário do Brasil, as duas rodovias mais precárias do país, segundo a Pesquisa de Rodovias da CNT, estão na região Sul. São elas as BR-163 (sobreposição com BR-282). no estado de Santa Catarina, e a RS-153 (sobreposição com BR-153 e BR-471), no Rio de Grande do Sul, que ocupam  respectivamente a primeira e segunda colocação.

O Norte, porém, figura no ranking das dez piores com três rodovias: as AC-405 e AC-010, no Acre, e a AM-010, no Amazonas. Além disso,  há ainda no ranking, em 9º lugar, a rodovia MA-006, do Maranhão, estado no Nordeste que compõe a Amazônia Legal.

Aliás, o Maranhão e o Mato Grosso (na região Centro-Oeste), ambos parte da Amazônia Legal, também apresentam uma situação que a Pesquisa da CNT alerta para a necessidade urgente de investimentos. O Maranhão tem 79,3% de rodovias em estado regular, ruim ou péssimo e que demandariam R$ 3,7 bilhões para ações emergenciais de recuperação. No Mato Grosso, 64,1% das rodovias estão com essa mesma classificação e, segundo a Pesquisa da CNT, seriam necessários R$ 2,3 bilhões para as ações emergenciais. 

No cenário rodoviário por regiões, considerando a classificação regular, ruim ou péssimo, além do Norte em primeiro, constam: região Sul, em segundo, com 64,7% das rodovias em estado regular, ruim ou péssimo; em terceiro lugar, está a região Nordeste (64,1%), seguida pelo Centro-Oeste (61,3%) e Sudeste (51,1%).

Ranking das 10 piores rodovias do Brasil

 

1. BR-163 (Sobreposição com BR-282): entre os municípios Dionísio Cerqueira e São Miguel do Oeste (SC)
2. RS-153 ((Sobreposição com BR-153 e BR-471): entre os municípios Barros Cassal e Vera Cruz (RS)
3. AC-405 (Sobreposição com BR-364): entre os municípios Mâncio Lima, Rodrigues Alves e Cruzeiro do Sul (AC)
4. AC-010, entre os municípios Porto Acre e Rio Branco (AC)
5. AM-010, entre os municípios Manaus e Itacoatiara (AM)
6. BA-122 (Sobreposição com BR-122, BR-330 e BR-349): entre os municípios Morro do Chapéu e Seabra (BA)
7.PE-177: entre os municípios Quipapá e Garanhuns (PE)
8. PE-545 (Sobreposição com BR-122): entre os municípios Exu e Ouricuri (PE)
9. MA-006 (Sobreposição com BR-330): entre os municípios Buriticupu e Alto Parnaíba (MA)
10. PE-096: entre os municípios de Palmares e Barreiros (PE)

Fonte: Pesquisa de Rodovias 2021

Veja, abaixo, os estados da Amazônia brasileira e suas respectivas porcentagens de rodovias em estado regular, ruim ou péssimo

 

1. Acre 100%
2. Amapá 96,7%
3. Amazonas 95,1%
4. Rondônia 89,4%
5. Maranhão 79,3%
6. Pará 79,2%
7. Tocantins 65,1%
8. Mato Grosso 64,1%
9. Roraima 42,5%

Fonte: Pesquisa de Rodovias 2021