Carbon credits in the Amazon
MEIO AMBIENTE

Créditos de carbono: mercado pode render R$26 bilhões ao país

Mecanismo, que ainda não é regulado no Brasil, é apontado como uma das soluções para a redução da emissão de gases que causam o efeito estufa

Eduardo Laviano

05/05/2023

Diversos políticos, corporações, pesquisadores e ambientalistas acreditam que o mercado de carbono é a aposta mais certeira para combater as mudanças climáticas no século XXI. 

Trata-se de um mecanismo para remunerar empresas capazes de reduzir o lançamento de dióxido de carbono na atmosfera, bem como outros gases que potencializam o efeito estufa. 

Assim, em um mercado regulado pelo Estado, haveria um teto máximo de emissões de carbono permitido para cada empresa ou setor. 

As empresas que emitirem mais carbono que o permitido poderiam compensar o excedente comprando créditos de carbono das empresas que emitem menos gases que o teto ao longo do processo produtivo.


As estimativas apontam ganhos econômicos extensos: de acordo com a consultoria empresarial McKinsey & Company, com tantas áreas de floresta, em especial na Amazônia, o Brasil pode gerar até R$ 26 bilhões por ano em créditos de carbono. Já os projetos florestais voltados para a prática podem criar 1,5 milhão de vagas de emprego até 2030.


Na Amazônia, a maioria dos projetos de créditos de carbono está voltada para a preservação da floresta, já que o desmatamento é a principal origem da emissão de carbono na região. E há ainda o "sequestro" de carbono, com a recuperação de áreas degradadas por meio do reflorestamento. Porém, este mercado ainda não é regulado no Brasil. O que ocorre por enquanto é o chamado mercado voluntário, tocado por empresas interessadas na agenda ambiental e sem arbitragem de entes públicos.


O advogado especialista em direito ambiental João Daniel Macedo Sá lembra que o Brasil já possui uma política nacional de combate às mudanças climáticas desde 2009, além de ser signatário do Acordo de Paris, pacto global pela redução das emissões.


"Tivemos, no governo anterior (do ex-presidente Jair Bolsonaro), uma certa turbulência em relação a metas ambientais e também de financiamento em relação a outros países, por falta de alocação de valores nas políticas públicas para enfrentamento da crise climática. Mas agora vejo que o Brasil voltou a tratar a agenda ambiental como prioritária", avalia Macedo Sá, que é professor do programa de pós-graduação da faculdade de direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). 

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“O grande desafio é mostrar que temos condições de fazer os projetos e as pessoas saberem que estão pagando por algo válido”, João Daniel Macedo Sá (Carmem Helena/O Liberal)

Segundo ele, o desafio agora é aprovar uma política bem definida, que determine o que ficará dentro ou fora do dito mercado regulado, já que a maioria dos projetos atuais do mercado voluntário são financiados por organizações internacionais.


Há vários obstáculos no horizonte, de acordo com ele. Ainda há falta de incentivo por meio de políticas públicas, sem direcionamentos explícitos do governo. 

"Além disso, muita gente não sabe como funciona a autenticidade dos créditos. O grande desafio é mostrar que temos condições de fazer os projetos e as pessoas saberem que estão pagando por algo válido. Isso é um pouco custoso, mas tem retorno econômico. Tanto as empresas quanto pessoas físicas têm um certo receio de fazer investimentos em algo que não está regulamentado, pois não se sabe quanto tempo vai valer, nem como. O crédito de carbono é um ativo financeiro e ambiental", diz ele, que também pontua que a geração de lucro por meio de créditos de carbono deve resultar também em tributação.

Custo político


Segundo Isabela Morbach, fundadora da CCS Brasil, organização voltada para o desenvolvimento sustentável via captura de carbono, o Brasil está começando a correr contra o prejuízo. Ela lembra, porém, que apesar de existir uma atmosfera positiva em torno do tema, o custo político de definir tetos de emissões de gases para as empresas pode ser muito alto.


"Ainda que seja feito de uma forma cautelosa, com uma transição, um teto será definido. Então deve haver um esforço de diversos setores para que não tenham tetos tão baixos para as emissões de cada indústria, por exemplo. Mas é bom bater na tecla de que, não necessariamente, ter um teto de emissões define uma produção menor. Ele, na verdade, define um custo maior conforme as emissões. Ou seja, quem não produzir de maneira sustentável terá uma produção mais custosa, pois vai precisar comprar créditos de carbono. Quem investir em uma produção limpa vai ter menos custos", aponta.


Experiências pelo mundo podem guiar o Brasil


Isabela Morbach, que é doutora em regulação de captura e armazenamento de carbono pela Imperial College, de Londres, acredita que observar a experiência internacional comparada pode funcionar como bússola para o Brasil iniciar a regulação. 

De acordo com ela, o sistema do mercado de carbono europeu é interessante e avançado, pois já demonstra resultados de redução nas emissões, além de ser estruturado por meio de uma governança muito clara, ou seja, com certificações, fiscalização, penalidades e definição de órgãos responsáveis.


 

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"A gente vai ter que ficar muito atento para não perder competitividade no mercado internacional",
Isabela Morbach

"Outra lição é que, como o mercado pode aumentar os custos da produção em um primeiro momento, a gente vai ter que ficar muito atento para não perder competitividade no mercado internacional. A Europa definiu uma taxação de fronteira, pois as empresas europeias que já tinham obrigação de reduzir emissões estavam perdendo espaço para empresas que exportam para a Europa, originárias de países sem regulação sobre o tema que produzem de maneira mais barata e menos limpa. Já os Estados Unidos possuem um mercado local na Califórnia focado em biocombustíveis. É um exemplo interessante que pode ser estimulado aqui também", diz.

Pressão pública 


João Daniel Macedo Sá lembra que a maioria dos países que regulou as emissões de carbono fez pressão pública para obrigar empresas a se adequarem. Porém, o Brasil já possui uma das maiores cargas tributárias do mundo, o que deixa o desafio ainda mais agudo. 

"Vamos impactar o parque industrial e isso pode impactar o consumidor. É um bom exemplo do que chamamos de internalização das externalidades, pois elementos que parecem não entrar na conta da produção vão pesar na ponta do lápis. Sabemos que isso pode criar um efeito dominó, ou levar empresas para fora do país. Por isso, é importante discutir de maneira profunda, envolvendo todos, pois é um processo inevitável e irreversível".

Modelos de outros países servem de exemplo



Para Cinthia Caetano, vice-presidente da Future Carbon, empresa especialista em projetos de carbono, há bons modelos implantados na Nova Zelândia, por exemplo, com o uso do solo sendo central para o debate, que é o que deve ocorrer no Brasil. Outros países na América Latina, como a Costa Rica, Peru e Colômbia, já desenvolvem experiências.


"O Brasil tem proporções e diferenças territoriais incomparáveis com qualquer outro país. E tanto o Brasil quanto o Congo e a Indonésia serão as grandes lideranças a inspirar os países no entorno, pois são líderes em suas respectivas bacias. Fundamentalmente, precisamos abarcar todos no debate. Quando a estratégia de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) surgiu, sinto que acabou deixando de lado os atores privados. E o mercado de carbono talvez seja a melhor ferramenta para incluir a lógica de compra e venda com uma contrapartida econômica que gere sustentabilidade", argumenta.
 

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“O agronegócio ainda é subaproveitado do ponto de vista do mercado de carbono e existem muitas soluções baseadas na natureza que promovem cadeias regenerativas”, Cinthia Caetano

Caetano sublinha que, atualmente, cerca de 40% do mercado de carbono brasileiro está voltado para energias renováveis e quase 60% para florestas. Já o agronegócio responde por uma parcela muito pequena, menor que 1%, mas possui um potencial gigantesco. "Podemos ter projetos de energia renovável com produtores rurais. O agronegócio ainda é subaproveitado do ponto de vista do mercado de carbono e existem muitas soluções baseadas na natureza que promovem cadeias regenerativas. Na área de energia também há muitas novidades como o hidrogênio verde, a próxima fronteira de mercado e com grandes possibilidades na Amazônia", diz.


Ela afirma que apesar do momento de efervescência do tema, especialmente no Congresso Nacional e nos governos estaduais, existem preocupações legítimas acerca do mercado de carbono, como o receio de que a produção de commodities seria estancada no Brasil. Cinthia afirma que é possível aumentar a produção sem desmatar e sem poluir ainda mais a atmosfera. "O custo de não mudar a forma como a gente vive e produz será muito maior".


Mercado de carbono demanda cuidados na Amazônia


Com tanto dinheiro e publicidade envolvidos, há o temor de que o mercado de carbono possa gerar uma corrida pela compra de territórios na Amazônia. 

A pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), alerta que a busca por áreas de instalação de projetos na região ainda é feita de maneira desordenada, na maioria das vezes. 

Segundo ela, só crescem os relatos de lideranças comunitárias e povos indígenas levadas a assinarem contratos com vantagens desiguais em relação às empresas.


"Como não há regulação, temos visto essas práticas. Uma comunidade pode morar em um projeto agroextrativista em uma área do governo estadual e negociar diretamente com a empresa ou com uma intermediária. Vimos recentemente a audiência pública do Ministério Público sobre o tema em Portel, no Marajó, onde notou-se um assédio às comunidades locais e isso resultou no cancelamento de vários registros de Cadastro Ambiental Rural, que, como sabemos, é autodeclaratório. Existe demanda para o mercado de carbono e isso pode gerar recursos para a nossa população por meio da conservação. Mas, sem regulação, não vejo como isso será feito de maneira equitativa e beneficiando de fato quem nasceu aqui e toma conta da floresta. Precisamos construir e disseminar mais esclarecimento sobre como funciona, o que são valores justos etc", aponta.

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“Sem regulação, não vejo como isso será feito de maneira equitativa”, Brenda Brito


Brito entende que a lógica de vários projetos privados ligados à iniciativa privada não irá reduzir as emissões de carbono na urgência que o planeta precisa. A pesquisadora defende a criação de diretrizes amplas definidas pelo Estado e que sejam multissetoriais.


"Há vários problemas metodológicos nos projetos de carbono, com literatura mostrando até certa ineficácia. O The Guardian publicou uma série de reportagens que indicam problemas que poderiam impactar muito a Amazônia. Um exemplo: é preciso mostrar que a área está sob pressão de desmatamento. Daí você projeta como aquela área pode estar daqui 10 anos e às vezes inflacionam as projeções, o que gera mais créditos de redução de emissão. Pode gerar reduções fictícias. Há também o vazamento, quando a causa do desmatamento migra para outro lugar longe do projeto de carbono, abrindo novas fronteiras de destruição. Por isso, é importante pensar em estratégias macro. Basta olhar os números de desmatamento da Amazônia entre 2004 e 2012, quando vivemos uma redução vertiginosa no número de árvores derrubadas e queimadas. É fruto de uma estratégia ampla e, sem dúvidas, uma das maiores contribuições climáticas a nível mundial. Não gerou créditos de carbono para empresas aumentarem lucros, mas gerou outros benefícios que chegaram na ponta de quem produz e preserva, como o Fundo Amazônia", sinaliza.


Isabela Morbach sinaliza que de fato há uma corrida para acessar e comprar áreas na Amazônia. Segundo ela, uma vez que uma corporação investe dinheiro para combater o desmatamento ou para reflorestar uma área, isso precisa ser compartilhado com os governos, estados, municípios e com as comunidades no entorno. "Sempre temos que lembrar que além da floresta em si, a Amazônia abriga quase 30 milhões de brasileiros. Se um projeto de preservação é viabilizado, talvez o local deixe de ser explorado economicamente e abrimos mão de uma série de atividades que geram renda para os povos da floresta. Vejo um movimento dos estados, inclusive do Pará, de criar estruturas jurídicas que obriguem as empresas a compartilharem os benefícios do mercado de carbono. Mas ainda está tudo em estágio inicial", afirma.

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Créditos de carbono: mercado pode render R$26 bilhões ao país


Na opinião de Cinthia Caetano, o caminho para a inclusão dos amazônidas no mercado de carbono está no incentivo à bioeconomia. De acordo com ela, criar mecanismos que valorizem as cadeias produtivas relacionadas aos produtos da floresta deve ser prioridade.


"A questão da ocupação de terras na Amazônia é complexa desde sempre e precisaremos do poder público para definir bem regras e remunerações. Historicamente, tivemos programas de incentivo à grilagem no passado. Vivemos outros tempos e precisamos respeitar os direitos das pessoas da região. Não é um tema simples e precisa ser avaliado caso a caso. Nosso principal desafio com projeto na Amazônia é saber se a área está correta, documentada, com propriedade irrefutável e garantir uma relação próxima com o projeto de maneira positiva", destaca.


Para Morbach, a população amazônica precisa se antecipar e buscar protagonismo. 

"Os profissionais locais e a sociedade amazônica precisam se qualificar e se preparar para este novo momento. Precisamos de consultorias e profissionais que são da região, estudados sobre o tema e que saibam dar o contexto e entender as complexidades da Amazônia. Não dá para ficar vindo um monte de gente de fora querendo explicar para a gente como tem que fazer. Precisamos evitar cair nos mesmos erros do passado".