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UNIDOS NA FÉ

Círios de Nazaré da Amazônia

Padroeira dos paraenses também mobiliza milhares de devotos em outros sete estados da Amazônia, que vão às ruas e se unem aos romeiros de Belém, em fé e amor por Nossa Senhora de Nazaré

Ana Danin

07/10/2022

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Deusimar, no Círio de São Luís, em 2013, com o filho João Davi, aos seis meses - Foto: Jailma Melo

“Nossa Senhora de Nazaré representa tudo para mim, representa fé e esperança por um mundo melhor. Além de Deus, tem ela, que é mãe de todos e intercede por nós”. A afirmação da pedagoga Deusimar Nogueira resume a relação dela com a padroeira dos paraenses. Há mais de 10 anos, ela participa intensamente dos festejos, tanto acompanhando a procissão principal, quanto distribuindo alimento e água aos romeiros, como fazem tantas pessoas que participam do Círio de Nazaré, na capital do Pará, exceto por um detalhe: Deusimar é maranhense, nunca esteve em Belém e, portanto, nunca viu, de perto, a maior de todas as procissões, que reúne mais de dois milhões de devotos no trajeto entre a Catedral Metropolitana e a Basílica Santuário de Nazaré. Ela é uma das milhares de pessoas que vivenciam os demais Círios da Amazônia, que também percorrem as ruas de outros sete estados da região, nesse período. 

Não é à toa que Nossa Senhora de Nazaré é conhecida como a Rainha da Amazônia. Dos nove estados da Amazônia Legal, apenas o Mato Grosso não tem Círio. Na maioria dos estados, as procissões, inclusive, coincidem com as da capital paraense, com muitas homenagens em comum, mas também muitas particularidades, que dão um tom especial e completamente novo aos olhos de quem, até então, só associava o Círio à procissão original, e mais tradicional, que é a de Belém. 

No Maranhão, por exemplo, onde Deusimar mora, a programação oficial conta com a Romaria, que sai às 23 horas, sempre no primeiro sábado do que eles chamam de Novenário - período de dez dias de novenas, terços, missas, confissões e adoração eucarística que antecede a procissão do Círio, em 16 de outubro. A Romaria segue um percurso de impressionantes 13 quilômetros pelas ruas de São Luís, com milhares de devotos caminhando a partir da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no centro, até à área do Cohatrac, onde fica o Santuário de Nossa Senhora de Nazaré. Na chegada, já ao raiar do dia, ocorre a missa dos romeiros. “Quando a Santa chega no Cohatrac, eu ofereço um café da manhã, com pão, café e suco para algumas pessoas que passam”, comenta Deusimar, que atribui a Nossa Senhora de Nazaré a graça de ter realizado o sonho de ser mãe, em 2012. “Como agradecimento, (prometi que) até meu filho completar 6 anos, ele e eu, só usaríamos azul e branco durante todo o mês de maio - e assim fizemos.  Além disso, com seis meses de vida, ele me acompanhou na procissão do Círio, vestido de anjo”, afirmou. 

Uma outra característica do Círio de São Luís é que todas as procissões da festividade se desenvolvem à noite. Tanto a Trasladação, lá chamada de Procissão da Luz, quanto o Círio, tem início às 17h, sendo que a procissão principal, em 2019, levou às ruas 250 mil pessoas. Pela relevância, o Círio de Nazaré de São Luís é considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Maranhão. Há, ainda, Círios em pelo menos outros quatro municípios maranhenses: Trizidela do Vale (povoado Morros do Caboclo), Humberto de Campos (povoado Bacabeira), Viana e Montes Altos.

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Em São Luís, a Romaria se inicia às 23 horas e segue um trajeto de impressionantes 13 km - Foto: Cezar Duarte

Em Manaus, imagem de 1,5m tem o manto trocado, anualmente

Ser abençoado com um filho foi o que também marcou em definitivo a relação do advogado Fábio Corrêa com Nossa Senhora de Nazaré. Morador de Manaus, no Amazonas, ele conta que, ao participar de um Encontro de Casais com Cristo, em 2013, acabou sendo convidado a integrar a comissão de procissão do Círio de Manaus, que, à semelhança do de Belém, ocorre sempre no segundo domingo de outubro. À época, ele e a esposa já pensavam em ter filhos, porém, havia uma suspeita de que ela pudesse ter um câncer de colo de útero. “No meio da procissão, fizemos nossas preces e, no dia seguinte, ela recebeu um exame dizendo que não tinha nada. Em 2014, ela engravidou, e nasceu, em novembro, a Alice, que hoje tem 7 anos”, recorda.

Fábio, atualmente, é o coordenador-geral do Círio de Manaus, uma tradição que foi levada por paraenses ao Amazonas, e que, em 2022, terá a sua edição de número 108. Lá, além da imagem que acompanha as procissões, há uma imagem de aproximadamente 1,5 metro, esculpida em madeira, que fica permanentemente exposta na Paróquia de Nossa Sra. de Nazaré e também tem seu manto renovado, anualmente, na época do Círio. 

O coordenador diz que em 2022, após dois anos de homenagens adaptadas em decorrência da pandemia da Covid-19, o Círio voltará às ruas com a corda de promesseiros nova e uma expectativa de público bem maior que as 28 mil pessoas que acompanharam a procissão, em 2019. “Vamos fazer o Círio do reencontro - o reencontro das ruas com a corda. Nossa expectativa é que a comunidade participe mais intensamente dos festejos”, afirma, destacando que, para o próximo ano, esperam já contar com uma réplica da berlinda usada em Belém, que está sendo criada por um artesão de Icoaraci, distrito da capital paraense.

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Em Palmas, é utilizada a mesma imagem peregrina do Círio de Belém - Foto: Adão Aparecido

Guarda de Nazaré é majoritariamente feminina, em Palmas

O caçula dos Círios das capitais da Amazônia ocorre em Palmas, no Tocantins, que neste ano está em sua sexta edição. Lá, o Círio é de Nazaré, mas de outras Marias também, como explica Ignácio Vieira, um dos coordenadores-gerais da programação. “Em Belém, quando se fala do Círio, os paraenses já nascem com a devoção a Nossa Sra. de Nazaré no DNA. Aqui, não. Aqui, a cultura à presença de Maria é muito forte na vida dos palmenses, então, acaba que as pessoas daqui participam do Círio em devoção à Maria. Há essa mistura bacana, apaixonante, que nós temos por Maria, que culmina no Círio”, pontua. 

Em Palmas, é usada a mesma imagem peregrina de Belém e, por isso, a procissão ocorre sempre após a quadra nazarena dos paraenses. Em 2022, a procissão será em 29 de outubro. Ao contrário do Círio de Manaus, que foi iniciativa dos paraenses que lá moravam, em Palmas, a iniciativa foi da própria Igreja. “O Dom Alberto Taveira foi nosso arcebispo aqui por muitos anos. Quando ele assumiu Belém, veio o Dom Brito Guimarães para a Arquidiocese de Palmas - e eles combinaram. Desde então, a imagem peregrina vem para cá”, explica. 

Uma particularidade de Palmas é ter a Guarda de Nazaré composta majoritariamente mulheres. Elas, inclusive, irão, junto com os colegas, somar esforços aos da Guarda de Nazaré de Belém, no Círio deste ano.

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Em 2022, a procissão completará 91 anos em Rio Branco, capital do Acre - Foto: Talison Gomes

No Acre, encontro de imagens no rio marca o início da procissão


Nossa Senhora de Nazaré é também padroeira de Rio Branco, capital do Acre, e patrona da catedral. Lá, em 2022, a procissão completará 91 anos. Segundo o reitor da catedral, padre Manoel Costa, o Círio deste ano, que também ocorre no segundo domingo de outubro, pela primeira vez será um evento diocesano, ou seja, envolverá todas as paróquias. 

Assim como no Maranhão e Palmas, a procissão também se inicia no fim da tarde e segue pela noite, mas, a particularidade é que Nossa Senhora de Nazaré chega pelo rio Acre, na Gameleira, um ponto turístico e histórico de Rio Branco. Em outra embarcação, chega a imagem de Cristo Libertador. De lá, elas partem juntas para a procissão, em um caminho de luzes, de 3,5 km, até a Catedral, que em 2019 foi percorrido por cerca de 10 mil pessoas. 

Padre Manoel destaca o valor simbólico de se iniciar a procissão pelas águas. “A evangelização chegou à Amazônia, em geral, pelos rios. Rio Branco teve origem às margens do Rio Acre, em torno de uma árvore que hoje é patrimônio, chamada de Gameleira. Tanto a cidade, quanto a urbanização, chegou pelos caminhos dos rios, as paróquias mais antigas estão às margens dos rios e a gente recorda isso com a procissão”, destaca. “Algumas pessoas pensam que nosso Círio foi trazido por paraenses, mas, a verdade é que a origem é a própria festa da padroeira. Com o passar dos anos é que foi tendo essa dimensão de se assemelhar ao Círio de Belém. Aí, os paraenses foram se envolvendo e sugerindo inserir a berlinda, a corda e outros (símbolos)”, conclui. 

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A procissão principal, em Macapá, reuniu quase 150 mil pessoas em 2019 - Foto: Willian Valério

Macapá tem famílias inscritas até 2026 para doação do manto


Em Macapá, no Amapá, o primeiro Círio de Nazaré foi realizado em novembro de 1934. O pároco da Catedral da cidade, padre Rafael Donneschi, conta como tudo começou. “Macapá ainda era uma pequena cidade. Para evitar a travessia que muita gente fazia - e durava dias - até Belém, decidiram trazer para cá uma imagem e começou o Círio. (No início) eram todos paraenses. O primeiro Círio foi à noite”, pontua. O padre pontua que, ainda na década de 30, o Círio passou a ocorrer sempre no segundo domingo de outubro.

Macapá é, talvez, a capital da Amazônia cuja programação mais se assemelha ao Círio de Belém, incluindo em quantidade de procissões oficiais. A maior das procissões, no domingo, em 2019, segundo o padre Rafael, reuniu quase 150 mil pessoas, número expressivo considerando que, pelos dados do IBGE, a população total de Macapá é de pouco mais de 500 mil pessoas. Ainda assim, existem particularidades, como a corda dos promesseiros, que só é usada na procissão de domingo. 

Padre Rafael destaca a expectativa das pessoas pelo Círio 2022. “Tem pessoas que não vão à igreja, mas não perdem o Círio. O povo está ansioso, faz meses que as pessoas estão perguntando. Inclusive, já temos listadas até 2026 famílias que se ofereceram para doar o manto, que só é apresentado na noite da Trasladação”, completa.

Graças - Expectativa pelo Círio de Macapá é o que o advogado Rui Cavalcante também sente, todos os anos. Ele atribui a Nossa Senhora de Nazaré a salvação da vida do filho, em dois momentos: a primeira, quando tinha por volta de 1 ano e adoeceu ao ponto de nem mesmo uma junta médica conseguir diagnosticar o que a criança tinha. “Eu lembro do meu filho totalmente desfalecido, nos meus braços, sem movimentos, quase em coma. Quando eu, desesperado, pedi à Nossa Senhora. Ele se recuperou e a gente nunca soube nem o que ele tinha”. A segunda vez, foi no início de 2021, quando o filho, já com 40 anos, foi diagnosticado com covid-19. Novamente, ele pediu a intercessão de Nossa Senhora pela vida do filho, e foi atendido. 

No interior de Roraima, homenagens ocorrem há 66 anos

Em Roraima, segundo informações da Diocese, há três festividades do Círio - a mais tradicional ocorre no município de Normandia, localizado a 187 km da capital, Boa Vista. Lá, em 2022, a procissão completa 66 anos, com programação no período de 7 a 15 de outubro. “Durante os nove dias, os fiéis se reúnem para rezar a novena. Em seguida, tem a Santa Missa e depois o bingo. No primeiro dia, todos se reúnem para subir e descer um pequeno morro, próximo a cidade, em procissão, rezando a novena. No último dia, a procissão é pela cidade de Normandia. A cidade reúne devotos de todos os lugares de Roraima”, informa o texto enviado pela Pastoral da Comunicação da diocese. 

As outras programações ocorrem na Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré, em Boa Vista, de 18 a 22 de outubro; e na área missionária São João Batista, também na capital, no período de 4 a 8 de outubro. 

Porto Velho, em Rondônia, é a única das capitais da Amazônia onde o Círio 2022 já aconteceu, em 11 de setembro. O Liberal Amazon solicitou mais informações à paróquia de Nazaré do município, mas não teve retorno até o fechamento desta edição. 

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Alexandre Santos (à esquerda) em uma das vezes que acompanhou o Círio em Belém, ao lado do amigo Edcarlos - Foto: Ednaldo Siqueira

Todos os caminhos levam a Nazaré

Em Belém, o Círio 2022 vai às ruas neste domingo, 9 de outubro, em sua edição 230. É o Círio mais esperado, que reúne as atenções do Brasil e do mundo, com mais de dois milhões de pessoas percorrendo as ruas em uma energia tão intensa que não deixa de ser notada nem por pessoas de outros credos e culturas. 

A imagem que segue em procissão, mais do que reunir, mostra a união. A mesma união na fé, amor e solidariedade que transborda nos corações dos devotos dos outros estados da Amazônia e de tantos outros cantos do planeta. A mesma união que emociona, todos os anos, pessoas como o paraense Alexandre Santos, criador de um projeto que incentiva a prática do futebol entre garotos em situação de vulnerabilidade social, em Palmas, no Tocantins. Ao longo dos seus 47 anos, são muitas as situações em que recorreu - mais para agradecer do que para pedir - a Nossa Senhora de Nazaré. Em 2011, seguiu na corda do Círio de Belém para agradecer por ter sobrevivido a um acidente grave. “Eu caí de um telhado de quatro metros de altura e me salvei. Caí em cima de um vaso de planta. Podia ter morrido, mas só quebrei a mão esquerda. E foi com essa mão, após me recuperar, que eu fiz questão de segurar a corda”, relembra, informando que neste domingo, novamente, acompanhará o Círio de Belém, na corda. 

Ano passado, em Palmas, Alexandre percorreu, a pé, um trajeto de 21 km, da casa dele até o aeroporto da capital, para receber a imagem de Nossa Senhora, que chegou de madrugada, para a programação do Círio, em formato carreata, ocorrida no fim da tarde do mesmo dia. “Minha mãezinha, ‘Nazinha’, me fortalece em todos os sentidos da minha vida. Sou um cara simples, humilde, trabalhador, mas tenho paz no coração e sigo com ela. Eu me sinto um cara muito feliz, ela renova minha alma, renova minha fé, para os anos que me restam”, finaliza, emocionado, se desculpando pelas lágrimas que, aqueles que vivenciam o Círio, reconhecem e entendem bem, onde quer que estejam.