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OPINION

Monetizar a restauração florestal limita o papel da regeneração natural na Amazônia

Agrônoma (UFRA), PhD em Ecologia (Stirling- UK). Pesquisadora titular do Museu Goeldi. Assessora da FINEP. Membro da Academia Brasileira de Ciências-ABC. Foi perita no Sínodo para a Amazônia a convite do Papa Francisco.

Ima Vieira

22/09/2023

Muitos estudos e iniciativas de monetização da restauração florestal têm surgido como forma de dar escala à restauração e oportunizar negócios no âmbito da bioeconomia de recursos incluindo o plantio de espécies nativas capazes de remover o carbono da atmosfera. Diante da agenda crescente da restauração florestal, cabe focar em um tema muito importante, que tem sido esquecido nos debates sobre o enfrentamento da crise climática: a regeneração natural das florestas amazônicas.


Desde os anos 80 tenho estudado, juntamente com outros colegas, a capacidade de recuperação das florestas amazônicas após distúrbios antrópicos, como desmatamento e queimadas. Esses estudos têm mostrado que: 1) a floresta amazônica é resiliente a esses distúrbios e é capaz de regenerar naturalmente; 2) as florestas que regeneram podem recuperar grande parte da biomassa e carbono aos 20 anos, mas a composição de espécies pode ser diferente das florestas maduras; 3) a regeneração natural pode prover serviços ambientais de conservação da biodiversidade; 4) há uma grande variação espacial na capacidade de regeneração das florestas amazônicas.  


No âmbito do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa-Planaveg, verificamos que 54% do bioma tem alto e médio potenciais de regeneração natural e, diante do acúmulo de conhecimento sobre o tema, recomendou-se a condução da regeneração natural como método de baixo custo para a promoção da recomposição e restauração da vegetação nativa em larga escala, uma medida capaz de atender cerca de 30% das metas acordadas pelo Brasil, no Acordo de Paris.


A regeneração natural é considerada uma opção para promover a regularização ambiental em imóveis rurais com passivo ambiental de vegetação nativa, tanto em Reservas Legais, como em Áreas de Preservação Permanente, segundo a Lei 12651/2012 do Código Florestal. Esse passivo na Amazônia está localizado principalmente nas grandes propriedades rurais que não respeitaram o código florestal. O déficit de reserva legal na região soma 18,17 milhões de hectares, segundo estudos recentes do INPE. 


Considerar a capacidade natural de regeneração natural das florestas amazônicas na política de regularização ambiental das propriedades rurais, pode dar escala à recuperação de ecossistemas, com baixo custo, tornando essa medida uma política pública prioritária. 


Outro exemplo que a Ciência traz consolida a regeneração natural como caminho viável. Estudos do projeto Regenera, financiado pelo Programa SinBiose-CNPq, mostraram que experimentos em áreas localizadas em paisagens com maior cobertura de floresta nativa, e histórico de uso da terra pouco intensivo, levam a florestas regeneradas com alta integridade ecológica. O projeto propõe ainda indicadores capazes de serem usados para o monitoramento da integridade de florestas em regeneração, com valores de referência para os diferentes estados amazônicos.


Considerando essa abordagem, as áreas degradadas de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, têm potencial de regeneração de alta integridade ecológica, por estar em matriz de paisagem com elevada cobertura florestal e, neste caso, como o custo é muito baixo, não há necessidade de envolver recursos de alta monta com projetos de restauração intensivos em capital, bastando afastar os fatores de degradação e conduzir a regeneração natural para garantir a integridade da floresta regenerante.
Na temática da restauração florestal temos a possibilidade de fazer mais com menos. Ganhamos eficiência se considerarmos alternativas sustentadas em conhecimentos consolidados e devidamente demonstrados, e que ainda trazem ganhos socioambientais efetivos para a Amazônia.