Marajo Transporte Foto Tarso Sarraf (4).jpg
FUTURO

Fundo Amazônia e a promessa de investimentos

Governo federal segue em busca de captação de recursos internacionais enquanto reestrutura as bases do Fundo. Expectativa é conseguir investimentos que ajudem a atender às demandas ambientais e sociais de uma região com quase 30 milhões de habitantes.

Eduardo Laviano

27/01/2023

Após quatro anos de interrupção no recebimento de recursos internacionais, o Fundo Amazônia está de volta e no centro do debate global sobre preservar e produzir, com responsabilidade, em um bioma que vem enfrentando sucessivas altas no número de queimadas e desmatamento e que abriga 66 municípios dentre os que têm os piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. 

Durante o Fórum Econômico Mundial, realizado este mês, em Davos, na Suíça, a ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva, disse esperar que o Fundo alcance a marca de R$10 bilhões em recursos, a partir da expansão do número de países financiadores - hoje ainda restritos à Noruega e Alemanha. Mas, como o Fundo Amazônia vai funcionar e quem irá gerir esses recursos? 

Veja o vídeo abaixo

Restabelecido no primeiro dia do atual governo, via Diário Oficial, o Fundo Amazônia ainda está em fase de reestruturação. Na prática, ele continua sendo gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e também volta a contar com dois comitês: o Comitê Técnico (CTFA), que será formado por seis especialistas designados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, após consulta ao Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, e cujo papel será atestar a redução efetiva de Emissões de Carbono Oriundas de Desmatamento; e o Comitê Orientador (COFA), que, além de órgãos do governo, também contará com representantes de entidades da sociedade civil. 

Paulo Artaxo - Paulo Artaxo_físico, cientista do clima e professor_ Foto Jardel Rodrigues - SBPC.jpg
Paulo Artaxo representa a SBPC no Comitê Orientador do Fundo - Foto: Jardel Rodrigues - SBPC

Ao COFA, caberá zelar pela fidelidade das iniciativas do Fundo Amazônia ao Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e à ENREDD+, esta última é Estratégia Nacional para REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). Será também o COFA que estabelecerá as diretrizes e critérios de aplicação dos recursos. 

Para o físico, cientista do clima e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Paulo Artaxo, representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no COFA, a prioridade do Fundo deve ser a estruturação de políticas públicas com apoio da sociedade rumo ao desmatamento zero. “Temos o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, entretanto é possível e desejável cumprir isso antes", diz o professor, que também é membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas. 

De acordo com Artaxo, o papel da SBPC será representar todos os interessados em um desenvolvimento científico e tecnológico que veja a Amazônia como a solução para um mundo melhor. "Para isso, é preciso mobilizar cientistas, pesquisadores e, claro, os povos originários, detentores de conhecimentos milenares da região. É hora de ajudarmos os institutos de pesquisa e universidades da Amazônia a descobrirem e implementarem novas atividades econômicas que gerem renda e reduzam a destruição", avalia. 

Na opinião de Paulo, o Fundo também precisa focar em investimentos que tenham como prioridade o combater ao crime organizado, desmanchando rotas de garimpo ilegal e invasão de terras indígenas e áreas de conservação. "É um esforço multidisciplinar. Mas reduzir as desigualdades com a floresta em pé é possível. É o que vamos provar para o mundo", aponta. 

Recursos precisam chegar aos pequenos agricultores

Sandra Bonetti é a secretária de meio ambiente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), que também integra o COFA. Desde as primeiras sinalizações de retomada de liberação de recursos para o Fundo, que já se confirmaram tanto por parte da Noruega, quanto da Alemanha (e envolvem recursos de R$3,7 bilhões), ela viu a esperança de retomar um incentivo que fez falta aos agricultores nos últimos anos. "O recurso não era acessado por agricultores e quem realmente tinha necessidade. Teve um foco bem diferente e uma diminuição expressiva. Não enxergávamos os recursos aplicados na base, na ponta. Isso fez diferença no dia a dia, infelizmente", lembra. 

Sandra Bonetti - Foto de César Ramos.jpg
Sandra Bonetti reforça a importância do apoio à agricultura familiar - Foto: Cesar Ramos

Segundo ela, a prioridade da CONTAG no COFA é garantir que pequenos agricultores e extrativistas possam acessar os recursos para desenvolver atividades sustentáveis. O desafio é englobar a diversidade de demandas em uma região com tantas diferenças e que não pode ser vista como homogênea. "Nossos agricultores precisam de políticas públicas para produzir com qualidade. Cada vez mais eles são expulsos dos próprios territórios. Política pública não é só crédito. É saneamento, saúde, segurança, e principalmente, acesso à terra. Os grandes projetos e latifúndios expulsam os pequenos produtores. E se não tem terra, não tem onde produzir. O Brasil precisa enxergar um fato: a agricultura familiar é responsável por mais de 70% do que chega na mesa do brasileiro", ressalta. 

Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI), em nota, afirma que seu papel no COFA é garantir que os projetos apoiados apresentem, além de resultados concretos e mensuráveis, impacto na realidade do local onde foram desenvolvidos. Além da CONTAG, CNI e SBPC, as entidades da sociedade civil que integram o COFA são: Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento; Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); e Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal.

Floresta Amazônica - Marcio Nagano.jpg
Foto: Marcio Nagano

Investimentos podem tirar do papel o “Arco da Restauração”

Climatologista Carlos Nobre_Foto_Leticia Valverde
Carlos Nobre também defende o investimento em institutos de tecnologia na região - Foto: Letícia Valverdes

Uma das maiores autoridades internacionais quando o assunto é meio ambiente e clima, Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, foi nomeado no dia 20 de janeiro como membro do conselho administrativo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Nobre destaca a importância de contar com os recursos para as ações de combate aos crimes ambientais e proteção de Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs), buscando, também, avançar em parcerias que garantam recursos para outras frentes. 

"Falei em Davos que, idealmente, o Fundo (Amazônia) não deve ser menor que R$10 bilhões. Precisamos de muitas doações para termos escala para zerar o desmatamento, recuperar áreas de degradação e criar sistemas agroflorestais eficientes", afirma. Os sistemas agroflorestais são aqueles que recuperam a área degradada da produção agrícola, em modelo que associa árvores com culturas agrícolas e, às vezes, também com animais. “Hoje, nossas instituições locais são um mar de conhecimento, podem ajudar na produção de sementes e mudas para termos uma área de restauração maior que 50 milhões de hectares. Temos que salvar a Amazônia e estou convicto que este é o caminho”, completa. 

Com a mudança na política ambiental brasileira e o retorno do Fundo Amazônia, Nobre espera conseguir avançar na proposta de criação do Arco da Restauração da Amazônia, apresentada pelo Painel Científico para a Amazônia este ano, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27), no Egito. A iniciativa envolve um conjunto de medidas voltadas para o replantio de um milhão de quilômetros quadrados de floresta. Segundo ele, não faltam projetos de recuperação de áreas degradadas que já foram apoiados pelo Fundo e que devem, agora, voltar a receber investimentos para ampliar o trabalho de recuperação de áreas degradadas, contribuindo para a meta ousada do Arco da Restauração. 

Nobre lembra que a Amazônia já ultrapassa os 830 mil km² desmatados e que conta com uma área de 500 mil km² em processo de degradação, o que pode levar a uma perda de 200 bilhões de toneladas de captação de gás carbônico, impactando no Acordo de Paris, firmado em 2015, com metas globais para a redução das emissões de gases do efeito estufa. Com o Fundo Amazônia, a tendência, segundo Nobre, é que sistemas agroflorestais sustentáveis ganhem mais espaço em áreas abandonadas. "E 20% dessas áreas foram abandonadas pela pecuária. A vegetação secundária está crescendo, especialmente no sul da Amazônia. Precisamos parar de desmatar e recuperar todos os territórios indígenas e também áreas de conservação. Se recuperarmos também as áreas da União que não possuem destinação, já são mais de 540 mil km2. É complexo, mas possível”, explica. “O resto, logicamente, teria que vir da restauração de áreas de propriedades privadas. É mais desafiador, pois há muito desmatamento ilegal em propriedade privada. Mas temos que definir políticas públicas e agir. Não há soluções simples", completa.

Tecnologia - Carlos Nobre também acredita que a retomada do Fundo Amazônia pode levar a investimentos como a implantação de institutos de tecnologia, à semelhança do conceituado MIT (Massachusetts Institute of Technology), uma das principais instituições de ciência e tecnologia do mundo, localizada nos Estados Unidos. Segundo ele, a ideia já foi levada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e, em breve, deve chegar à mesa do BNDES. "Queremos a comunidade científica amazônica, internacional e brasileira, construindo um instituto de altíssima qualidade científica. Trazer, para dentro dele, conhecimentos dos povos tradicionais e potencializar o desenvolvimento e a economia”, afirma.

Associações apostam na retomada de investimentos

Saguio Santos_coord. de gestão do CTA em reunião com produtores -Foto_ Ascom CTA 3.jpg
 A assistência técnica do Centro de Tecnologia Alternativa do Mato Grosso impacta, hoje, 1.200 famílias - Foto: Acom/CTA

O Centro de Tecnologia Alternativa do Mato Grosso foi um dos beneficiários do Fundo Amazônia entre 2015 e 2018, antes da suspensão do financiamento, na gestão federal anterior.Trata-se de uma associação de agricultores familiares e técnicos rurais com foco nas práticas da agroecologia, que apoia produtores desde a colheita até as táticas de agregação de valor e comercialização para o mercado. A assistência técnica do projeto impacta, hoje, 1.200 famílias. A estimativa de Saguio Moreira Santos, coordenador de gestão do Centro, é de que 50 mil pessoas sejam beneficiadas indiretamente pelo projeto. Com os recursos do Fundo, o projeto instalou seis viveiros comunitários e implantou sistemas agroflorestais em 250 imóveis rurais, além de cursos de formação e oficinas de apicultura.

"Os beneficiários diretos são as comunidades, aldeias indígenas, agricultores familiares, assentados ou não”, explica Saguio. “Temos muitas demandas de recuperação de áreas degradadas e, resolvendo elas, podemos implantar sistemas agrossilvipastoris com foco em sequestro de carbono", completa. 

Saguio lamenta não ter conseguido captar recursos do Fundo nos últimos quatro anos, mas acredita que agora basta esperar as chamadas públicas para seleção de projetos serem lançadas. Paulo Roberto Souza concorda. Ele é analista de pesquisa e desenvolvimento do Instituto Mamirauá, que também foi beneficiado pelo Fundo Amazônia, no período de 2013 a 2019. A instituição de pesquisa atua na região do médio rio Solimões, no estado do Amazonas, e tem um componente forte voltado para o manejo de recursos pesqueiros, principalmente na cadeia do pirarucu, além de manejo florestal comunitário em áreas de várzea. Segundo Souza, o Fundo Amazônia alavancou diversos projetos ligados a manejo, educação ambiental e pesquisa e extensão, além de ampliar a atuação do instituto. 

"A gente viveu essa angústia de sentir a falta dos recursos e como eles (os recursos) impactam positivamente a floresta. Todos os envolvidos ficaram muito tristes com a interrupção. Então vemos com esperança essa nova oportunidade”, afirma.

Quase uma década de bons resultados para a região

Instituto Mamirauá - Sementes - Amanda Lelis (2).JPG
O Fundo poderá voltar a financiar projetos  com foco em agroecologia - Foto: Amanda Lelis

Segundo o relatório Síntese do Monitoramento dos Indicadores Regionais relacionados à ação do Fundo Amazônia, até 2018, antes da interrupção dos repasses e inscrições de novos projetos, o crescimento gradual da relevância do Produto Interno Bruto (PIB) na Amazônia em relação ao Brasil atingiu uma participação de 8,9%, uma alta de 1% na comparação com 2009, quando o Fundo iniciou. Houve ainda um aumento de 16% do volume produzido na região e de 35% da receita gerada pela cesta de produtos do extrativismo monitorados pelo Fundo Amazônia, no período de 2009 a 2019.  Ou seja, em números absolutos, o Fundo gerou uma receita de R$254 milhões, obtida com a comercialização de produtos e que impactaram 207 mil beneficiários. Com apoio do Fundo, foi registrado ainda um crescimento de 63% no número de pedidos de patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial por residentes nos estados da Amazônia Legal. Já o número de unidades de conservação federais cresceu 337%, já que o Fundo também disponibiliza recursos para a gestão dessas áreas.

Até hoje, o climatologista Carlos Nobre não consegue dimensionar o impacto da interrupção dos repasses internacionais ao Fundo Amazônia. "Foi uma lástima muito grande a interrupção, mas ele (Fundo) era para salvar a Amazônia e a administração anterior queria um olhar para a Amazônia mais próximo dos anos 70. Virou uma inimiga. O acordo não permitia recursos para pecuária e mineração, que era o que o governo anterior queria. Foram quatro anos tratando as árvores como obstáculos", lamenta. 

Com a retomada do Fundo Amazônia, além dos atuais financiadores (Noruega e Alemanha), países como o Reino Unido já afirmaram que possuem interesse em investir. Além dos governos, a Fundação Leonardo DiCaprio pretende captar R$519 milhões com apoio de empresas privadas. O interesse também é compartilhado pela Fundação Bezos, de  Jeff Bezos, fundador da Amazon, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. 

Com tantas portas se abrindo, Sandra Bonetti, secretária de meio ambiente da CONTAG, ressalta que cabe à sociedade ter esperança e consciência da importância dos investimentos para mudar, positivamente, os rumos da região. "Temos que ter, enquanto brasileiros, autoconsciência sobre o quanto somos importantes para a manutenção de um planeta saudável. É para essa missão que o Fundo Amazônia precisa convidar todos a participarem", conclui.