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OPINIÃO

Se é pop, tem que respeitar os territórios indígenas

Ima Vieira

Agrônoma, com doutorado em Ecologia pela University of Stirling (UK). Estuda a ecologia da Floresta Amazônica. Pesquisadora titular e ex-diretora do Museu Goeldi. Conselheira da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC

06/08/2022

Em 7 de julho, organizações empresariais da Agricultura, Comércio e Indústrias do Pará solicitaram à presidência da República que o Brasil deixe de ser signatário da Convenção OIT 169, que trata sobre Povos Indígenas e Tribais, porque esta causaria conflitos, dúvidas, inseguranças jurídicas e seria inibidora do desenvolvimento nacional. A atitude e o documento demandam abordar as relações coloniais no seio da modernidade e os impactos na visão das populações e gestão de territórios, tema tratado com mais amplitude por mim e por meu colega do Museu Goeldi, Roberto Araújo, no segundo capítulo do livro Amazônia: alternativas à devastação (2021).

A forma de pensar, classificar e nominar povos e sociedades da Amazônia está intimamente relacionada à continuidade de processos de expropriação de territórios e recursos naturais, que sustenta o modelo desenvolvimentista e exportador na região amazônica. E, nesta lógica de uso da terra, não há espaço para nada e ninguém que não se conforme aos modos de produção do capital.

No imaginário do colonialismo que perdura, um critério prevalente de classificação dos homens e grupos sociais está relacionado à capacidade de transformar a natureza em mercadoria. Esse pensar e estabelecer a relação com a terra e o território é o oposto do viver das populações indígenas. Como explica Ailton Krenak, a Terra é um organismo vivo, inteligente. E na vida dos povos conectados à natureza, o Homem não é o centro do mundo, ele está em relação com outros seres viventes, com a paisagem e “pisa, suavemente, na Terra”. Por que ameaçar outras vidas e existências? Negar aos povos indígenas o direito de participar das decisões que os afetam? A consulta e a participação são princípios fundamentais da governança democrática e do desenvolvimento inclusivo

Nos dias de hoje, a lógica desenvolvimentista e exportadora atualizou sua estratégia na fronteira amazônica frente ao movimento socioambiental. Entre as criações aparece o discurso no qual o fator mobilizador para a exploração de um território associado a determinado povo originário é o desejo de “libertar” esse mesmo povo da miséria, confrontos e da falta de oportunidade de integração econômica. A economia de fronteira articula a valorização do território com a desvalorização sistemática de modos de vida autóctones.  Historicamente, temos a escravidão dos corpos indígenas, a expropriação de territórios, anulando as condições do seu modo de viver e de sua cultura.

O resultado dos processos de desorganização dos territórios geográficos e culturais dos povos indígenas se espalha na Amazônia. Um caso emblemático é o Vale do Javari, onde foram assassinados, em junho, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips: violência cotidiana, extermínio, território dominado pelo crime, instabilidade, insegurança, pressão dos recursos naturais, sofrimento, populações desamparadas etc.

Por ironia, a conservação da biodiversidade e os serviços ecossistêmicos providos pelas Terras Indígenas, como a regulação climática e do regime de chuvas, a manutenção dos mananciais de água, a estabilidade e fertilidade do solo, o controle de pragas e doenças, entre outros, são fundamentais para a manutenção do agronegócio brasileiro.

Vamos mudar essa história e criar outro enredo para a Amazônia?

Referências: ARAÚJO, R.; VIEIRA, I. C. G. Alternativas a devastação consideradas sobre o prisma de aspectos da colonialidade na Amazônia in RIBEIRO, W.C; JACOBI, P.R. (org.) Amazônia: alternativas à devastação. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 2021