Rios e florestas são principais características da literatura da Amazônia (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
OPINIÃO

Qual o caminho para conciliar desenvolvimento com conservação na Amazônia?

Agrônoma, com doutorado em Ecologia pela University of Stirling (UK). Estuda a ecologia da Floresta Amazônica. Pesquisadora titular e ex-diretora do Museu Goeldi. Conselheira da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC

Ima Vieira

14/02/2023

No início da década de 1980, o paradigma protecionista que dominara a conservação da natureza desde o século XIX começou a perder força. Foi substituído por uma forte noção de que a redução da pobreza e a proteção ambiental deveriam andar de mãos dadas. Nos anos seguintes, surgiram várias abordagens para conciliar os objetivos de desenvolvimento e conservação. 

Essas abordagens incluem, dentre outras, a comercialização de produtos florestais não madeireiros (a bioeconomia tão propalada atualmente), a criação e gestão de Unidades de Conservação, o manejo integrado de paisagem, o planejamento de territórios sustentáveis e desmatamento zero. No entanto, a longo prazo, os aspectos ambientais não foram adequadamente incorporados no planejamento de infraestrutura e do uso da terra e este fracasso deve-se, em parte, às complexidades dos acordos institucionais intersetoriais existentes no país.


A Amazônia está sendo afetada pela geopolítica mundial, que tende para uma economia global integrada. Na última Conferência das Partes (COP 26), a proteção de florestas virou prioridade global - desde a Eco 92 as florestas angariaram um papel central para o desenvolvimento sustentável, tanto que daí em diante foram firmados inúmeros compromissos florestais internacionais, com a promessa de eliminar o desmatamento e diminuir as emissões de gases do efeito estufa. Todavia, a realidade está muito distante desses objetivos.


As propostas mais ousadas de proteger a Floresta Amazônica e impactar as fontes de emissão do estado do Pará, por exemplo, alcançaram poucos resultados na década passada. Estudos apontam que existem problemas de continuidade nas políticas estratégicas de longo prazo, assim como falta articulação e coordenação entre várias secretarias de estado. E, nesse contexto, é significativa a iniciativa do dia 7 de fevereiro de 2023 feita pelo Governo do Pará de declarar Estado de Emergência Ambiental nos municípios paraenses que lideram o desmatamento.


Recentemente, os governos da Amazônia se associaram para formar o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal e buscar caminhos coletivos de proteção e desenvolvimento da região. Dentre os documentos do Consórcio, destacam-se a Carta da Amazônia pela Segurança Climática, o Plano de Recuperação Verde (PRV), com quatro eixos: freio ao desmatamento; desenvolvimento produtivo sustentável; tecnologia verde e capacitação e infraestrutura verde e um Acordo de Cooperação visando incentivar a bioeconomia amazônica. O Consorcio da Amazônia compartilha a meta da Coalizão LEAF (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance) de reverter o desmatamento até 2030, ao lado de mais de 100 outros líderes mundiais. 


Em janeiro de 2023, este mesmo Consórcio entregou ao presidente Lula uma série de 33 propostas de desenvolvimento regional, sendo 21 para o eixo Infraestrutura e Logística. Dentre elas, o investimento em rodovias, ferrovias e modal hidrográfico, para escoamento da produção agropecuária. Sabe-se que mais de 90% da conversão de florestas amazônicas ocorreu em uma distância de 5,5 km das estradas e as obras previstas para as rodovias do estado do Pará tem o potencial de desmatar 7000 km² em 30 anos. Ora, se as grandes obras de infraestrutura são um dos vetores de pressão sobre a floresta, como projetar essas obras sem impactá-la? O que seria considerado infraestrutura verde, neste aspecto? Como garantir o desmatamento zero com essa agenda coletiva centrada em obras de infraestrutura que pouco dialoga com as metas ambientais ambiciosas?


Sem dúvida, todos esses compromissos assumidos pelo Consórcio da Amazônia Legal aumentam as esperanças de proteção das florestas amazônicas. Por outro lado, é preciso reconhecer que há preocupações com a forma com que esses compromissos serão cumpridos, considerando a concorrência de caminhos com características opostas. Será preciso coerência e esforço coletivo dos governos dos estados da Amazônia, sob o olhar atento da sociedade civil.